segunda-feira, 25 de março de 2013

Brasil S/A

Eficiência da agricultura movimenta a economia e é punida pelo caos dos portos e das estradas. O freio da inépcia A produção de insumos para a cadeia global de proteínas já empurra o crescimento com a supersafra de grãos, deverá amortecer o peso da alimentação no custo de vida e amealha receita em dólar num momento em que o fluxo cambial do país se encontra deficitário. Falamos dos resultados da eficiência agrícola ao tratar do cenário econômico na coluna anterior. Faltou falar da inépcia que rodeia a economia. Plantar e colher com alta produtividade a agricultura empresarial é capaz, com reconhecimento internacional. Mas transportar a safra para os centros de produção e exportar é um drama recorrente a cada ano, tendendo ao colapso com a célere expansão das colheitas. Quer dizer: a infraestrutura existente só comporta uma economia anêmica e improdutiva. Quanto maior a eficiência, maiores as dificuldades. Com rodovias acanhadas, em péssimo estado de conservação e pequena oferta da malha ferroviária, custa mais levar uma tonelada de soja do Centro-Oeste, o celeiro agrícola do país, aos portos de Santos e Paranaguá — o que já é uma logística de exceção, pois lógico seria escoá-la por hidrovias até terminais no Pará e Maranhão — que levá-la à China, o nosso principal importador de commodities. Os problemas são antigos e, hoje, obstáculos à expansão do Produto Interno Bruto (PIB). O governo Dilma Rousseff também chegou, enfim, a essa conclusão, ao dar prioridade aos investimentos para ampliar e reformar o setor por meio de concessões ao capital privado. Foi um grande avanço, mas a decisão viaja em ritmo de congestionamento. A esta altura, pelo menos um edital de privatização já deveria ter sido publicado, envolvendo dois trechos de rodovias importantes que cruzam Minas Gerais e Rio, e escolhidos os vencedores. O leilão foi cancelado por razão justificável — falta de interessado em investir em troca da tarifa desejada pelo governo —, mas a substituição por novas condições não se dá no ritmo que a economia exige. E há quem se surpreenda com a reticência do empresariado para investir. Chineses se estressam As sequelas da logística estressada são visíveis a olho nu. Ainda nestes dias, a trading chinesa Sunrise, maior compradora individual da soja brasileira, anunciou que cansou de esperar, e desviou suas compras para a Argentina, um de nossos grandes concorrentes, assim como os EUA. “Não adianta nada ter um preço bom, se a soja não pode ser entregue”, afirmou o diretor da Sunrise, Shao Guorui, ouvido em Pequim pela jornalista Cláudia Trevisan, de O Estado de S. Paulo. Shao disse que a trading esperava seis navios em fevereiro e mais seis agora em março, mas, devido ao atraso nos portos brasileiros, a chegada se dará só em abril. Foi o que levou a trading a cancelar o carregamento de 10 navios já contratados e de outros 23 agendados para os meses seguintes. Essas coisas ninguém no governo se atreve a comentar. A soja rendeu ao país, no ano passado, US$ 17,5 bilhões de exportações, 70% das quais tendo a China como destino. Argumentos patéticos Se os chineses, conhecidos pela paciência, perderam a estribeira, dá para imaginar o tamanho do imbróglio. Todos os dias uma viagem, que leva normalmente 20 minutos, entre a rodovia dos Imigrantes e o Guarujá, se estende por uma hora ou mais devido à fila de caminhões carregados de soja à espera para entrar num dos terminais do Porto de Santos. E levaram muito mais trafegando em condições adversas a partir das plantações em Mato Grosso, Goiás, Tocantins. Olhando-se a barra de Santos, tem-se outra panorâmica do desastre: quase 80 navios ancorados esperando vaga para atracar. O ministro dos Portos, Leônidas Cristino, responsabilizou as chuvas por parte do problema, o que é precário como argumento. Clima ruim não impede as operações em portos expostos a intempéries mais difíceis que no Brasil, como em Roterdã, o maior da Europa, e na China. Mas a outra explicação que forneceu é patética: o aumento da produção agrícola. Desaforo à eficiência Com tal nível de argumentação, não estranham as incertezas sobre um programa de concessão com a meta de licitar 7,4 mil quilômetros de rodovias, 10 mil de ferrovias, além de portos e aeroportos. Ao todo, incluindo-se licitações de blocos de petróleo, é uma fatura, entre desembolso nos leilões e investimentos, de R$ 470 bilhões, o equivalente a 11% do PIB, se tudo fosse investido num único ano. É uma enormidade, mesmo diluído pelo período de 25 a 30 anos das concessões. Mas é palatável, comparado ao superávit da balança do agronegócio, US$ 78,7 bilhões em 2012 (US$ 68,2 bilhões, contando só a exportação de produtos não processados) e tendendo a US$ 83,2 bilhões este ano. A conta da infraestrutura equivale a três anos da receita externa líquida do agronegócio. Imagine-se quanto mais ela poderia gerar, se tivesse custos competitivos de logística. Inocência ministerial Onde pega o problema das concessões? Para os empresários, o nó é o preço. O governo quer a menor tarifa, o que, expressa pela taxa de retorno do investimento, representaria uma rentabilidade de 5,5% ao ano. O empresário fala de 7,5% a 12%. O governo admite dar mais. Só que o concessionário precisa endividar-se junto ao BNDES, embora a juro subsidiado, em até 80% do que deve gastar da concessão. Um acordo está em curso pelo método de aproximações sucessivas. O que empaca é a lerdeza do processo, talvez explicada pela inocência do ministro Guido Mantega em audiência no Senado. Indagado sobre o baixo crescimento da economia, explicou: “A população quer saber de emprego e renda, e isso tem sido feito em escala monumental”. Com aprovação recorde, devida em boa parte à percepção de bem-estar, a presidente não precisaria de pressa, pelo que ele disse, mostrando indulgência com as carências da infraestrutura. E segue o baile. Por Correio Braziliense - Brasília/DF Em: 24/03/2013

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