segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A grande bolha nos emergentes


Alguma coisa muito errado nas economias emergentes que supostamente deveriam estar moldando, e até mesmo dominando, o futuro do mundo. A busca de culpados está em curso: os preços das commodities, o fraturamento hidráulico, as taxas de juro nos EUA, El Niño, a China - esses e outros. Mas a resposta é mais simples e mais tradicional. É a política. Veja o Brasil. Uma economia antes apontada como destinada a um crescimento ininterrupto mal cresceu em mais de dois anos - e atualmente está encolhendo. A queda dos preços de suas exportações de commodities não têm ajudado, mas a economia brasileira deveria envolver muito mais do queapenas colheitas e indústrias extrativas. E a Indonésia. Essa economia ainda está crescendo, mas a uma taxa-4,7% ao ano, no trimestre - que é decepcionante tanto em termos de expectativas anteriores como de crescimento populacional. O mesmo pode ser dito sobre a Turquia, onde o crescimento caiu para 2,3% no trimestre passado-o que, pelo menos, supera o crescimento populacional, mas é pouco, comparado com 2010 e 2011, quando cresceu 9%. Há também a África do Sul, onde o progresso econômico tem se mantido muito lento, tanto nos anos de aceleração baseada no ouro e outros recursos naturais, como nos de contração, para produzir algum alívio real nos níveis de pobreza. Depois, há a própria China, cuja desaceleração é a explicação favorita de todos para suas próprias lentidões. Lá, os economistas no setor privado estão novamente curtindo seu passatempo favorito durante períodos de estresse econômico: tentando elaborar seus próprios índices de crescimento do PIB, pois em tais ocasiões eles não acreditam nas estatísticas oficiais. Oficialmente, o crescimento chinês é estável como umrochedo, a7% ao ano, que por acaso é a meta declarada do governo, mas as estimativas dos economistas privados situam-se entre 4% e 6%. Um mantra em anos recentes tem sido o de que, quaisquer que sejam os meandros na trajetória do crescimento econômico mundial, das commodities ou dos mercados financeiros, "a narrativa econômica sobre os emergentes permanece intacta". Com isso, os conselhos de administração empresariais e estrategistas de investimentos querem dizer que continuam acreditando que as economias emergentes estão destinadas a crescer bem mais rapidamente do que o mundo desenvolvido, importando tecnologia e técnicas degestão aomesmo tempoem que exportam produtos e serviços, explorando assim uma combinação vencedora de baixos salários e crescimento da produtividade. Mas há um problema nesse mantra, além do simples fato de que, por definição, precisa ser excessivamente generalizado para poder abarcar uma gama tão ampla de economias da Ásia, América Latina, África e Europa Oriental. O problema é que se convergência e desempenho superiores fossem simplesmente uma questão delógica e destino, como implica a ideia de uma "narrativa sobre as economias emergentes", então essa lógica devia ter valido durante as décadas antes de o crescimento dos países em desenvolvimento ter começado a chamar a atenção. Isso, porém, não aconteceu. A razão pela qual isso não ocorreu é a mesma razão pela qual tantas economias emergentes estão tendo problemas agora. A explicação é que os principais determinantes da capacidade de uma economia emergente de emergir efetivamente de forma sustentável são as políticas governamentais, o cenário político e tudo o que se abriga sob a designação de instituições de governança. Mais precisamente, embora os países possam surfar ondas de crescimento e explorar os ciclos de commodities a despeito de terem instituições políticas disfuncionais, o verdadeiro teste acontece quandoos tempos se mostram menosfavoráveis eum país precisa mudar de rumo. É por isso que o Brasil tem encontrado tanta dificuldade nos últimos quatro decepcionantes anos. Incapaz de manter a inflação sob controle sem provocar uma recessão, o país está empacado desde 2010 não devido a azar ou a alguma perda de espírito empreendedor do setor privado, mas por causa de falhas em suas políticas. O governo brasileiro tem se mostrado relutante ou incapaz de reduzir o tamanho de seu inchado setor público, está atoladoem grandes escândalos de corrupção e, ainda assim, sua presidente Dilma Rousseff continua evidenciando uma predileção pelo tipo de capitalismo comandado pelo Estado, que produz exatamente esses problemas. As democracias no Brasil, Indonésia, Turquia e África do Sul estão, atualmente, deixando de cumprir o que é uma tarefa básica de qualquer sistema político: mediar harmoniosamente grupos concorrentes de interesses e blocos de poder a fim de permitir que prevaleça um interesse público mais amplo. Mas isso significa, essencialmente, um interesse público em permitir que a economia desenvolva-se com flexibilidade, de maneira que os recursos migrem de usos que se tomaram não rentáveis para aqueles que têm um potencial mais elevado. Uma economia entupida, que não permite tal destruição criativa e adaptação a novas circunstâncias, é uma economia que não crescerá de forma sustentável. Será isso algo no que democracias, especialmente as imaturas, com frágil implementação do estado de direito e liberdade de expressão, são simplesmente ineficazes, quando comparadas a regimes autoritários? Essas economias em dificuldades são culpadas de não aprender com Cingapura, onde um sistema cuja democracia dirigida está comemorando seu 50 a aniversário neste ano,e que conseguiu evitar o tipo de esclerose de grupos de interesse e corrupção que está freando o desenvolvimento brasileiro, por exemplo. Um conforto, talvez, para os democratas é que, neste momento, também a China não está seguindo a lição de Cingapura. Sua atual desaceleração parece derivar de o Partido Comunista não contestar os poderes monopolistas de empresas estatais para liberar novos setores para a iniciativa privada. Pouco importa. A questão não é saber se o melhor é democracia ou autoritarismo. No fim das contas, a menos que as economias emergentes possam assegurar que permaneçam flexíveis e adaptáveis, não continuarão a "emergir". E o determinante dessa flexibilidade e capacidade de adaptação está em instituições políticas eem sua disposição para contestar grupos de interesse, mediar conflitos sociais e manter o Estado de direito. É a política, estúpido.
Valor Econômico
18/8/2015

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