quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Empresa brasileira aposta no boom das ferrovias na África para crescer


Faturamento pequeno, mercado estagnado e clientes com verba baixa para encomendas. Poucas empresas prosperariam nesse cenário, mas a desenvolvedora de tecnologia ferroviária ART está superando o gargalo. Frente às perspectivas nada animadoras do mercado brasileiro, a pequena companhia sediada na região metropolitana de Curitiba encontrou na África a saída para ampliar as vendas para além do patamar anual de R$ 60 milhões. 

O continente passa por um boom nas ferrovias, mas enfrenta a baixa capacidade financeira dos consórcios para comprar equipamentos das grandes multinacionais do setor, como Bombardier, Ansaldo e Siemens. Já os produtos da ART - computadores de bordo, módulos de comunicação, software de controle e sistemas de manutenção são de baixo custo, resultado da experiência acumulada por seu fundador, o engenheiro Carlos Henrique Corrêa, no desenvolvimento de tecnologia para a ALL durante o processo de privatização do setor no Brasil, nos anos 90. Com a maior parte das vendas vindas da aventura africana, a empresa pretende usar o know-how para desembarcar ainda este ano nos EUA principal mercado global do setor. 

Até bem pouco tempo atrás, a situação das ferrovias africanas era parecida com a das brasileiras antes dos leilões de concessão, na década de 90: trilhos cobertos por mato, vagões abandonados e locomotivas decrépitas. De acordo com o Banco de Desenvolvimento Africano, sob o controle estatal a maior parte das linhas manteve equipamentos com mais de cem anos de idade, da época da colonização da África. O resultado foi desastroso em termos de produtividade. Os custos de transporte na África são 70% maiores do que nos países desenvolvidos; o preço para levar produtos até os portos respondem por metade do valor das exportações do continente, de acordo com dados da Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (Nepad, na sigla em inglês). 

O cenário começou a mudar com o apetite chinês por commodities, que turbinou a economia de vários países da região. Com média de crescimento de 5% ao ano, modernizar o sistema se tornou um fator determinante para manter o ritmo de expansão. A saída também foi parecida com a encontrada pelo Brasil: processos de concessão à iniciativa privada. Por causa disso, diversos projetos estão em andamento. 

A ferrovia Uganda-Quênia, criada em 1896, está sendo revitalizada. A Etiópia está reabrindo uma antiga linha de 700 quilômetros da época colonial. A Nigéria, nação mais populosa do continente, está retomando as operações de passageiros entre sua capital Lagos e a cidade de Kano, no norte do país, um trecho de 800 quilômetros. Tudo isso gera demanda por novos equipamentos muita demanda. Uma estimativa feita pelo Standard Bank coloca em US$ 50 bilhões a necessidade de investimentos nas ferrovias do africano. 

O problema é que nas novas concessionárias africanas estão sem dinheiro. É um círculo vicioso: como o equipamento é antigo e o tráfego é baixo, a renda vinda dos trilhos é pequena. Com renda pequena, há dificuldade em desembolsar os valores necessários para reformar o sistema. A saída? Soluções de baixo custo. É aí que a ART entra no assunto. A filosofia de Corrêa, fundador da empresa, é desenvolver tecnologia para o que chama de produtos vietnamitas: simples, baratos e com boa relação custo/benefício. A ideia foi inspirada nas táticas usadas pelos guerrilheiros comunistas contra os americanos na Guerra do Vietnã: quando suas pontes foram bombardeadas, a guerrilha passou a usar pontes de madeira que ficavam um palmo abaixo dágua mas não eram vistas pelos aviões americanos. O popular bom e barato, por assim dizer. O empresário afirma que os produtos vietnamitas são entre duas e dez vezes mais baratos que os similares das gigantes internacionais, dependendo do tipo de equipamento. Há uma equipe de cerca de 100 engenheiros dentro da companhia desenvolvendo a tecnologia de baixo custo. 

Enquanto a África tenta deslanchar, o Brasil segue em primeira marcha. Em 2012, o governo federal lançou com fanfarra o Programa de Investimentos em Logística (PIL), que previa a concessão de 11 mil quilômetros de ferrovias, com investimentos que se aproximariam dos R$ 100 bilhões. No entanto, a burocracia estatal e uma série de investigações do Tribunal de Contas da União (TCU) travaram o avanço do projeto. Hoje, apenas um trecho de 883 quilômetros entre Mato Grosso e Goiás teve a licitação autorizada pelo órgão. Existe a expectativa governamental de que uma segunda etapa do programa, no qual os projetos terão até 70% de seu valor subsidiados pelo BNDES, possa acelerar as obras. O setor privado mantém o ceticismo. Questionado, Corrêa se limita a dar de ombros e responder que buscar o mercado internacional continua a ser crucial para nós. 

Quão crucial? Hoje, 70% do faturamento da ART vêm do exterior a grande maioria do continente africano. Entre os contratos fechados com dez países da região estão a venda de sistemas de sinalização e de um centro de controle para trechos na Nigéria e principalmente o fornecimento de computadores de bordo para 1.300 locomotivas da Rift Valley Rail, uma das mais importantes da África. Com traçado de 2,5 mil quilômetros de extensão que liga regiões agrícolas de Uganda ao porto de Mombasa, no Quênia, essa ferrovia também está recebendo capital humano nacional: seu presidente e dois de seus diretores são brasileiros. Após a chegada dos equipamentos, a produtividade da ferrovia triplicou. Segundo Corrêa, na África do Sul a instalação de um sistema de gestão reduziu o número e acidentes e descarrilamentos em oito vezes. No Quênia, um sistema de controles dos estoques de gasolina praticamente acabou com os roubos do produto, diminuindo os custos operacionais em 30%. 

Fazer negócio com clientes africanos, no entanto, tem sua dose de emoção, por assim dizer. Segundo um analista de uma entidade que acompanha o setor, o risco de calote no continente é infinitamente maior do que em outros países. Torna-se praticamente obrigatória a obtenção de cartas de crédito com bancos internacionais ou então buscar representantes locais, que assumam o risco da operação. No caso da ART, Corrêa afirma nunca ter sofrido falta de pagamento. O que houve numa ocasião foi um atraso, mas sabíamos que não íamos deixar de receber, diz. Por que tanta certeza? A gente controlava o sistema à distância. Se não nos pagassem, bastava apertar um botão para desligar tudo. 

Não é apenas na busca por custos menores que a África de hoje lembra o Brasil da década de 90. Ambos também têm em comum a falta de mão-de-obra qualificada. Por lá ainda têm muitos funcionários das ferrovias que não sabem usar mesmo um mouse, diz Corrêa. A solução passa por três caminhos: treinamento, treinamento e treinamento incluindo cursos básicos de informática. 

Abrindo caminho 
Corrêa é um explorador experiente de segmentos fechados. Em 1985, fundou a Eden, empresa de redes de computadores quando ainda se passava longe de falar em internet que se tornou um dos players mais importantes do segmento no país. Passou o tempo, veio o plano Collor, o Real, e a Eden foi vendida para o setor bancário. O empresário migrou para a ALL, que também desbravava um mercado indócil as recém-privatizadas ferrovias brasileiras. Dentro da companhia, criou uma subsidiária de tecnologia que desenvolveu diversos sistemas de baixo custo. Foi esse grupo que se tornou a ART, ao passar por um spin-off em 2013, com aporte de capital da gestora de private equity americana Darby. O investimento também foi usado para a posterior aquisição de outras duas empresas de automação ferroviária. Hoje, os investidores possuem pouco mais de um quarto da companhia o resto segue sob o controle de Corrêa. 

Com as poucas perspectivas do mercado nacional, o empresário pretende manter o foco no exterior. O próximo passo é o mercado australiano, que deve ganhar um escritório até o final do ano. Por lá, no entanto, a ideia é que a tecnologia da ART seja embutida, ou seja, dentro de soluções de automação e controle fornecidos pelos grandes fabricantes globais. Na sequência, Corrêa projeta a entrada no mercado americano, visto por ele como menos protecionista que o europeu. Está em estudo a aquisição de uma empresa local, para facilitar o desembarque no país. As ferrovias americanas estão todas adotando orçamento base zero. Nossos produtos são ideais justamente para essa redução de custos, afirma. Nem todos concordam. Segundo o analista, os EUA possuem níveis de tecnologia e exigência muito diferentes daqueles praticados em outros países. É um mercado mais aberto, mas com um grau de concorrência bem superior, diz. Hora de descobrir se o baixo custo conseguirá abrir mais essa porta.

Fonte: Época Negócios
Publicada em:: 21/08/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Galeria de Vídeos