segunda-feira, 18 de março de 2013

"A guerra cambial já foi declarada"

Para economista americano, o Brasil não estaria preparado para os impactos de uma eventual desvalorização da moeda. A guerra cambial global já está em andamento e os países que se recusarem a entrar na disputa serão derrotados, diz o economista americano Michael Pettis, que vê o Brasil pouco equipado para o enfrentamento, em razão do impacto que a eventual desvalorização acentuada da moeda teria sobre a inflação e o endividamento externo. "Esse é o problema das guerras cambiais. Não há escolha. Uma vez que elas começam, você tem de participar", disse em entrevista ao Estado na quarta-feira, em seu escritório na capital chinesa. Professor da Universidade de Pequim, Pettis acaba de lançar o livro The Great Rebalancing: Trade, Conflict, and the Perilous Road Ahead for the World Economy (O Grande Rebalanceamento: Comércio, Conflito e o Perigoso Caminho Diante da Economia Mundial), no qual sustenta que o mundo ainda tem de corrigir os problemas que estiveram na origem da crise global. Para ele, os elevados índices de poupança e consumo que representam os extremos desses desequilíbrios não são reflexo de traços culturais, mas de políticas econômicas cujo impacto ultrapassa as fronteiras de cada país. A seguir, os principais trechos da entrevista. Na origem da crise financeira estava o desequilíbrio entre o alto consumo dos Estados Unidos e a elevada poupança da China. O mundo retornou a um cenário de equilíbrio? Ainda não. Nos EUA, o nível de endividamento diminuiu e o de poupança, aumentou, que é a condição para que haja reequilíbrio. Mas está sendo dolorido e lento. Na Europa, não houve rebalanceamento. Eles se reequilibraram ao custo de desemprego extremamente alto, o que não é sustentável, e o problema da dívida se agravou. Na China, houve um pouco de rebalanceamento no ano passado, mas ele foi revertido. O mundo não se reequilibrou. O que falta ser feito? A Europa tem de resolver seus problemas econômicos e há três maneiras possíveis de isso ocorrer. Uma é que os alemães aumentem sua demanda doméstica de maneira significativa e tenham déficit em conta corrente, o que permitiria que os países europeus periféricos tivessem os superávits correspondentes necessários para pagar suas dívidas. Se os alemães não fizerem isso, os países periféricos da Europa continuarão a ter elevadas taxas de desemprego por muitos anos. A terceira possibilidade é a de os países periféricos deixarem o euro. No caso da China, é preciso reduzir o índice de poupança e elevar o de consumo. A única maneira de aumentar o consumo é expandir a fatia da renda das famílias no PIB, mas isso significa reduzir a fatia do governo, o que enfrenta resistência política. No seu livro, o sr. defende a ideia de que o governo americano deveria restringir a possibilidade de estrangeiros terem ativos em dólar. Por quê? Muitos dizem que o fato de que todo o mundo compra dólares permite que os americanos consumam mais do que eles produzem. Eu digo que o fato de que todo o mundo compra dólares força os americanos a consumirem mais do que eles produzem. Se um país acumula reservas em dólares e exporta capital para os EUA, esse país tem de ter superávit (em conta corrente) e os EUA, déficit. Não há outra possibilidade. Essa é a razão pela qual os países acumulam dólares. Quando a China começa a acumular iene, os japoneses ficam extremamente insatisfeitos. O mesmo ocorre com a Coreia ou a Europa. Ninguém quer o suposto benefício de ter uma moeda que é usada como reserva de valor. É a teoria do saving glut (excesso de poupança)? Sim. China, Japão e Alemanha adotaram políticas que elevaram o índice de poupança. As pessoas não poupam porque gostam de poupar, mas porque há políticas que forçam o aumento da poupança. E o excesso de poupança em um país requer excesso de consumo em outro. Tem de ser assim, porque a poupança e os investimentos devem ter equilíbrio em âmbito global. Na década de 90, a Alemanha tinha déficit em conta corrente. No fim daquela década, o governo adotou políticas para limitar o crescimento dos salários. De 2000 a 2008, a renda das famílias cresceu mais lentamente do que o PIB. Com isso, o nível de poupança da Alemanha automaticamente subiu. Não foi porque os alemães ficaram mais frugais. Eles não tinham escolha. Se o nível de poupança dos alemães automaticamente subiu, o nível de poupança de alguns outros países automaticamente caiu. Itália, Espanha, Irlanda, Grécia, Portugal tinham grandes superávits nos anos 90. Todos tiveram grandes déficits na década que antecedeu a crise. Se os desequilíbrios ainda não foram corrigidos, a perspectiva para a economia mundial continua negativa? Sim. Os desequilíbrios são insustentáveis e sempre são corrigidos. Normalmente, isso ocorre em condições bastante difíceis. Se todo o mundo chegasse a um acordo sobre o reequilíbrio menos dolorido, isso seria ótimo. Mas a probabilidade de que isso ocorra é muito baixa. Qual é o risco de uma guerra cambial global, que voltou a ficar em evidência com a política monetária expansionista do Japão? Guerras cambiais e comerciais são inevitáveis. É uma consequência necessária desses grandes desequilíbrios. É muito tolo esperar que isso não ocorra. Não há demanda suficiente no mundo e há excesso de capacidade instalada. Todo mundo quer ter uma fatia maior da demanda global e essa é a razão das guerras cambiais e comerciais. Como um país como o Brasil pode se defender? É muito difícil. Uma das limitações da habilidade de um país de jogar a guerra cambial é a existência de elevado endividamento externo, porque quanto mais a moeda se desvaloriza, maior a dívida se torna. A outra limitação é o risco de aumento na inflação. Infelizmente, as duas condições se aplicam ao Brasil. Um país como o Brasil tem capacidade muito mais limitada de iniciar uma guerra cambial do que muitos outros, o que significa que o Brasil pode terminar entre os perdedores. A guerra cambial já foi declarada? Sim. Todos os países estão tentando aumentar sua fatia da demanda global. Douglas Irwin publicou um livro no ano passado no qual ele reexamina a guerra cambial dos anos 30. O que ele disse é que na década de 30 a guerra cambial não foi feita para tirar vantagens comerciais. Isso está ocorrendo de novo. Os japoneses não estão expandindo a oferta de dinheiro para desvalorizar o iene, mas para gerar crescimento doméstico, e isso tem como consequência a desvalorização do iene. Os EUA não estão engajados em expansão monetária quantitativa porque estão tentando desvalorizar o dólar, mas porque acreditam que isso é necessário para evitar uma crise financeira. Mas, não importa a intenção, isso vai ter impacto no comércio. Uma vez que isso começa, os países que não jogam o jogo terminam sendo os perdedores. A questão não é se o Brasil quer ou não jogar o jogo, mas se tem armas para isso? Sim, e isso é o que aconteceu nos anos 30. A França desvalorizou sua moeda em 1926 e muitos dizem que eles começaram o problema. Por causa da desvalorização, eles começaram a acumular ouro e se recusaram a desvalorizar de novo, até 1936. Eles tentaram ser responsáveis. Havia o bloco do ouro e esses países disseram que não jogariam o jogo da desvalorização. Mas suas economias foram ficando cada vez piores até que todos foram forçados (a desvalorizar). Esse é o problema das guerras cambiais. Não há escolha. Uma vez que elas começam, você tem de participar. E há o risco de todos perderem? O que é mais provável é que os países diversificados com déficit em conta corrente ganhem e os países com superávit em conta corrente percam. Todos estão lutando por uma fatia maior da demanda global. Os países com déficit têm produção inferior à sua demanda. Portanto, quando intervêm no comércio, eles podem aumentar sua participação na demanda global com a recuperação de sua fatia (que era suprida por produtos importados). São os países com superávit que são vulneráveis, porque sua produção total atende à toda sua demanda e mais parte da demanda externa. Se os países entram em guerra comercial, eles vão perder essa demanda externa. Os Estados Unidos provavelmente se beneficiariam de uma guerra comercial. Alemanha e China seriam prejudicados. O sr. diz que o crescimento chinês foi subsidiado com juros baixos, contenção de salários e moeda desvalorizada. Qual o impacto disso para o restante do mundo? Isso significa que as exportações chinesas são muito competitivas e todos no Brasil sabem disso. A China tem sido muito boa para os produtores de commodities, mas ruim para a indústrias manufatureira. Mas isso vai mudar. Rebalancear significa, por definição, que esses subsídios terão de ser eliminados. A moeda tem de se valorizar, os juros têm de ser elevados e salários têm de subir. Se eles fizeram isso, a competitividade do setor de produtos comercializáveis vai diminuir, o que seria muito bom para a indústria brasileira. Mas, para o setor de commodities minerais, o impacto seria negativo. Se há diminuição do nível de investimentos, a demanda por commodities minerais também vai diminuir. Fonte: O Estado de S.Paulo Por: CLÁUDIA TREVISAN , PEQUIM

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