segunda-feira, 13 de maio de 2013

Metas de inflação: mais vivas (e necessárias) do que nunca



É inegável que a crise financeira de 2008 trouxe questionamentos importantes e implicou em quebra de paradigmas em relação à política econômica de consenso vigente até então - principalmente na política monetária - e sob os regimes de metas para inflação em particular, apontado por muitos como uma das possíveis causas do excesso de alavancagem verificado entre consumidores e sistemas bancários das economias desenvolvidas.

Um dos grandes debates atuais cerca exatamente a estratégia de controle de preços neste mundo pós-crise, e sobre o valor do regime de metas de inflação em um mundo aparentemente tão diferente daquele de outrora. O Centre for Economic Policy Research divulgou este mês um texto reunindo as visões de diversos economistas sobre o tema ("Is Inflation Targeting Dead? Central Banking After the Crisis"), chegando à conclusão de que não só o regime de metas segue válido e vivo, ainda que em transformação, como ainda não se verifica no horizonte estratégia superior a ele.

O experimentalismo tem provado a validade da estratégia: os bancos centrais mais claramente engajados em re-inflacionar suas economias (como os dos EUA e Japão) o fazem por meio de estratégias de criação de agregados monetários agressivas, porém com o declarado intuito de retornar suas taxas de inflação a patamares compatíveis com suas metas declaradas. O fim é na verdade a re-aceleração da economia pela antecipação, pelos consumidores, de que os preços serão mais altos no futuro e/ou com a visibilidade de uma política monetária expansionista por um período longo de tempo de maneira que os agentes econômicos acreditem em taxas de juros bastante baixas a perder de vista, incentivando assim o investimento.

Um exercício mental interessante é imaginar onde estariam as projeções de inflação para 2014

Note-se que, com a maior preocupação desses bancos com o crescimento, é a manipulação das expectativas inflacionárias que guia a estratégia de ação. Se e quando atingirem suas metas de ensejar um ritmo mais acelerado de crescimento, essas mesmas instituições contam com a âncora fornecida por suas metas para a inflação, e a credibilidade acumulada no passado, para garantir que a estratégia de saída destas políticas excepcionais não implique em surtos inflacionários detrimentais para suas economias. O Fed, por exemplo, não cansa de reforçar em sua comunicação oficial o apego com as expectativas de inflação "em torno da meta" e a reforçar o compromisso com a mesma.

Entretanto, vale notar que a busca por patamares inflacionários em torno de uma meta, com tolerância para acomodação dos ciclos reais da economia, é a definição da estratégia de metas de inflação flexível - onde dentro da função de reação dos BCs se insere um componente ligado ao ciclo real (seja o crescimento do PIB ou o mercado de trabalho) - que vigorava em grande parte do mundo desenvolvido pré-crise. Desde então já era difícil encontrar um regime puro de metas de inflação, aquele onde a função de reação do Banco Central se guiava apenas pelo desvio da inflação em relação à meta. Assim, a miopia que os críticos tendem a atribuir ao regime de metas para inflação simplesmente não ocorria na prática - o estado da economia era usualmente parte relevante do processo de decisão da política de juros. O mesmo não se pode dizer da estabilidade financeira, esta sim fora do alcance do regime de metas para inflação e, em alguns casos, fora do escopo de atuação dos BCs.

No Brasil também se reafirma a validade da estratégia, ainda que o problema seja de natureza oposta à observada nos países acima citados. Graças provavelmente ao estoque de credibilidade acumulado desde a implantação do regime de metas em 1999, a despeito da notável e consistente diferença da inflação observada ante o centro da meta nos últimos três anos, e de uma estabilização da taxa de câmbio que remete a outro tipo de regime monetário, as expectativas de inflação ainda não descolaram integralmente da banda de tolerância em torno da meta de 4,5%. Diante de uma inflação que se consolida em torno de 5,5% e de uma economia que não engrena - sugerindo crescimento potencial baixo e sérias restrições de oferta ao crescimento - a promessa de convergência, ainda que lenta, da inflação, decorrente do modelo de metas, é provavelmente o único entrave para que ocorra uma maior deterioração nas projeções de inflação para os próximos anos. Um exercício mental interessante é imaginar onde estariam as projeções de inflação para 2014 não fosse o arcabouço atual em prática...

Está claro assim que a estratégia, e os fins, não são hoje muito diferentes daqueles que vigoram sob um regime de metas para inflação flexível - ainda que os instrumentos tenham sido expandidos frente aos novos desafios e objetivos que se apresentam. Não se encontram, no debate atual, argumentos fundamentados ou críveis a favor da discricionariedade de política que prevaleceu no mundo pré-regimes de metas de inflação com consequências catastróficas na década de 70. Como ocorria antes da crise, expectativas seguem sendo o ponto central de controle, seja para cima ou para baixo, do nível de inflação, e sua manipulação é parte essencial dos novos experimentos de política monetária em voga no mundo desenvolvido - todos ainda dentro do arcabouço do regime de metas de inflação. O cerne dessa estratégia é a credibilidade do Banco Central em relação às metas ou trajetórias comunicadas. Esta sim é uma característica que não pode, nem deve ser abandonada - sob o risco de se gerar uma economia estagnada, ou inflacionária, ou, pior dos mundos, ambas.

Fernanda Guardado, mestre em economia pela PUC/Rio, é economista do Banco Brasil Plural.

Fonte:  Valor Econômico - SP
Por: Fernanda Guardado **

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