A maior volatilidade e desvalorização do real nas últimas semanas decorre basicamente de dois fatores, um doméstico, outro externo. No âmbito interno, o crescente déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, que atingiu 3% do PIB no acumulado dos últimos 12 meses, é um fator de pressão pela desvalorização.
No cenário externo, EUA e China chamam a atenção. Há uma mudança de posicionamento da economia norte-americana, que vivencia um processo de reindustrialização, fortemente focada na mudança da matriz energética proporcionada pela exploração do gás de xisto, nos incentivos à inovação e nos mecanismos de fomento via compras governamentais.
A retomada norte-americana inevitavelmente significará uma redução das medidas de estímulo monetário e uma elevação das taxas de juros, valorizando o dólar em relação às demais moedas. Adicionalmente há um outro fator relevante que é a desaceleração da China e a redução das cotações das commodities.
A consequência é uma maior volatilidade no curto prazo. Visando a contrabalançar os efeitos que tem provocado a desvalorização, tomaram-se medidas como a elevação dos juros e a eliminação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre os fluxos de capitais dirigidos às aplicações de renda fixa e no mercado futuro. Além disso, o Banco Central tem intensificado sua atuação, comprando divisas no mercado à vista e futuro.
No entanto, apesar das medidas, a desvalorização do real é o caminho natural, tendo em vista as circunstâncias do cenário doméstico e internacional. As iniciativas visam muito mais a diminuir a volatilidade e a evitar o overshooting. Passada a fase mais aguda, a tendência é que o real se estabilize em um nível 10% a 15% superior ao anterior.
No curto prazo, a desvalorização do real gera dois principais impactos negativos. O primeiro é sobre a inflação. Cada 10% de variação na moeda tendem a impactar em 0,5 ponto porcentual na inflação anual, como revela a estrutura de preços da economia brasileira.
O segundo efeito importante é sobre o endividamento externo das empresas. O longo período de taxas de juros internacionais baixas e uma relativa estabilidade da taxa de câmbio interna favoreceram a elevação dos financiamentos internacionais e, na maioria das vezes, as operações de hedge cobrem a diferença.
Apesar dos inconvenientes e de uma visão excessivamente de curto prazo que tende a prevalecer nas análises, o impacto final deverá ser positivo para a economia brasileira. Um câmbio mais desvalorizado amplia a competitividade dos produtores brasileiros, relativamente aos produtos importados e também para a exportação.
Se a desvalorização cambial ocorrer conforme o cenário aqui delineado, embora amenize, ainda assim será insuficiente para compensar as desvantagens competitivas que têm afetado negativamente a produção brasileira.
Mediante condições mais favoráveis, o setor industrial poderá deixar de ser um fator limitador para a expansão do crescimento do PIB e também elevar as taxas de investimento.
Daí a necessidade de haver avanços em outros aspectos que fomentem os ganhos de produtividade, seja sistêmica, seja empresarial, para evitar que todo o ajuste recaia sobre a via cambial, uma vez que há limites impostos pelo fato de a inflação já ter alcançado um nível elevado.
A questão fundamental é a taxa de câmbio real, ou seja, o ganho líquido considerando a elevação dos custos de produção.
Por outro lado, utilizar o câmbio como âncora para controlar a inflação leva um efeito indesejado de desindustrialização e deterioração das contas externas, como denotam nossa experiência histórica e o próprio quadro atual.
O aumento da vulnerabilidade decorrente do crescente déficit de transações correntes e a sua insustentabilidade intertemporal não compensam o aparente ganho de curto prazo de uma taxa de câmbio excessivamente apreciada.
* ANTONIO CORRÊA DE LACERDA É PROFESSOR-DOUTOR DO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA DA PUCSP E CONSULTOR. E-MAIL: LACERDA.ECONOMISTA@GMAIL.COM.
Fonte: O Estado de São Paulo - SP
Por: ANTONIO CORRÊA DE LACERDA **
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