quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O jogo de "rentabilizar" swap



O dólar permaneceu em alta ontem até ser divulgada pelo Banco Central a taxa oficial de câmbio do dia, a Ptax

A moeda chegou a encostar em R$ 2,4150, ante R$ 2,3840 no fechamento da véspera, e persistia acima de R$ 2,40 até por volta das 14h30. Divulgada a Ptax (R$ 2,3998), o dólar desabou. E fechou vendido a R$ 2,3680, em desvalorização de 0,67%. A justificativa para o movimento ascendente que prevaleceu até o início da tarde era a tensão geopolítica envolvendo a Síria.

A moeda persistia em elevação contrariando os seus formadores primários de preço. Os rendimentos dos títulos de 10 anos do Tesouro americano recuaram de 2,79% para 2,71% e o Dollar Index cedeu 0,29%. Os operadores alegavam que havia uma "fuga do risco" por causa das incertezas advindas com a agudização da crise síria. O investidor global estaria fugindo das aplicações mais arriscadas feitas em países emergentes e voava para o refúgio seguro das treasuries.

Convenientemente, o mercado ignorava que esse antigo truísmo financeiro está sendo posto em dúvida pela porção mais sofisticada dos analistas. Nos EUA, retornou aceso o debate em torno da sustentabilidade da dívida e da possibilidade de um calote.

Enquanto os embates políticos entre republicanos e democratas inviabilizam a costura de uma solução consistente e permanente para o ajuste fiscal, o governo precisa elevar o teto do endividamento pois se aproximam do limite os cortes de investimentos em fundos de pensão.

O secretário do Tesouro, Jack Lew, já advertiu que os EUA podem ficar sem dinheiro para pagar suas contas em outubro se nada for feito. A dívida, já astronômica, na casa dos US$ 17 trilhões, só será passível de rolagem sem muita asfixia enquanto os juros permanecerem baixos.

Enquanto não for solucionado o impasse fiscal e os limites ao endividamento, o Federal Reserve (FED) nem poderá pensar em reduzir suas injeções de liquidez, pois isso provocaria altas ainda mais acentuadas dos juros, agravando o custo de rolagem. Sem contar com a ampliação de gastos necessária para financiar uma incursão militar na Síria. Prato cheio para as agências de rating baixarem a nota de risco de crédito dos EUA. Onde há qualidade nesse voo?

A perspectiva de quebra da safra americana de soja e milho por causa dos rigores da seca no Meio-Oeste americano é outro fator que deveria contribuir para um declínio do dólar frente ao real. Afinal, a visão é de um aumento das exportações de commodities brasileiras. A tendência é de fortalecimento da balança comercial e menor necessidade de financiamento do déficit em transações correntes. Atenua-se o motivo essencial da escalada do dólar de maio para cá.

Mas a moeda persistiu em alta até ser formada a Ptax, taxa utilizada para o cálculo da rentabilidade dos swaps cambiais e dos contratos futuros de dólar. A razão deve ser buscada no próprio mecanismo prioritário utilizado pelo Banco Central em suas intervenções cambiais. Depois de terem atingido a cifra recorde de US$ 10,96 bilhões no dia 16, as posições "compradas" em contratos de dólar futuro negociados na BM&F carregadas por investidores estrangeiros caíram gradualmente até chegarem a US$ 4,80 bilhões na segunda-feira, 26. Os hedge funds globais já não estão recorrendo ao pregão da BM&F para fazer suas apostas contra o real. Usam agora os swaps cambiais vendidos diariamente pelo BC.

Como os fundos gringos fazem para "rentabilizar" a cota diária de 10 mil swaps, equivalente a US$ 500 milhões, que o BC leiloa todos os dias (exceto às sextas-feiras)? Ao vender o swap, o BC assume posição passiva em dólar e ativa em Selic. Ele terá lucro se o juro for, durante o período de vigência do swap, maior que a alta do dólar. O investidor externo ganha na hipótese inversa. Portanto, interessa a este que o dólar-ptax suba à vista (e também, como subproduto, no mercado futuro onde são negociados os swaps) mais do que renderá a Selic.

E como, atualmente, está em curso um ciclo de aperto monetário, há a possibilidade de o BC fazer um choque de juros para combater a inflação (ameaçada pela própria alta do dólar, pela seca americana, pelo avanço do petróleo em consequência da crise síria, pela necessidade de aumento dos preços dos combustíveis) e para aumentar o poder de atração de investidores estrangeiros assustados com a perspectiva de calote americano.

Para não correr o risco de perder a batalha em torno da rentabilidade dos swaps, os fundos externos que compram esses papéis tratam de agir para elevar o preço à vista do dólar. Há várias operações de day trade (compra e venda de um mesmo lote de dólares num mesmo pregão) feitas entre parceiros conhecidos que favorecem a ampliação do giro de negócios e as puxadas artificiais de preço.

Ontem, quem vendeu na alta e comprou na baixa teve um lucro de 2,05%. Para analistas, há uma justificativa moral para os hedge funds fazerem isso. Afinal, enquanto jogador em um dos lados da mesa, o BC detém o poder discricionário de definir uma das variáveis-chave na definição da rentabilidade da operação, a taxa Selic.

Um BC inteiramente ortodoxo não teria a menor dúvida de desfechar um choque de juros, impor perdas aos compradores de swaps e, num segundo momento do jogo, derrubar o câmbio via atração de capitais externos de portfólio. Não é o caso atual. Como o objetivo do BC com a venda de sua ração diária de swaps é baixar a febre cambial, ele se mostra propenso a arbitrar uma perda para si mesmo. Uma perda que considera menor e menos dolorida do que a queima de reservas internacionais.

Por falar em choque de juros, o mercado futuro de DI da BM&F persistiu ontem em sua campanha pela não alteração do comunicado pós-Copom. Quer que hoje, ao final da reunião que irá elevar a Selic de 8,5% para 9%, o comitê mantenha a nota utilizada nas duas reuniões passadas para indicar a continuidade do aperto no ritmo de 0,50 ponto.

É melhor um choque diluído no tempo do que nenhum. E as taxas para janeiro de 2014 e janeiro de 2015 caíram menos do que o necessário para acompanhar o tombo do dólar. A primeira cedeu de 9,22% para 9,20%. E a segunda, de 10,34% para 10,30%. O contrato para janeiro de 2017 nem se deu ao trabalho. Fechou em alta de 11,52% para 11,53%.


Brasil Econômico
 Luiz Sérgio Guimarães **

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