segunda-feira, 23 de setembro de 2013

"Além de autuar, é preciso tratar o alcoolismo"


Psicóloga Aurinez Schmitz traçou o perfil do condutor reincidente em infrações por embriaguez no RS

A psicóloga Aurinez Rospide Schmitz traçou em seu trabalho de mestrado o perfil do condutor reincidente em infrações por embriaguez no Estado nos anos de 2009 e 2010. O estudo, realizado no Programa de Pós-Graduação de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), mostrou que, dos 3.949.693 condutores habilitados no Rio Grande do Sul, 12.204 foram autuados, ou seja, três em cada mil condutores. Desses, 538 foram reincidentes. Em entrevista ao Jornal do Comércio, Aurinez contou que uma das inovações do trabalho foi a ligação entre a reincidência e o consumo frequente de álcool, caracterizado como doença. A psicóloga ressaltou a importância da avaliação psicológica dos condutores e, se necessário, o oferecimento de tratamento para a ingestão descontrolada de bebida alcoólica.

Jornal do Comércio - Como surgiu a ideia de realizar o estudo e qual era o seu objetivo?

Aurinez Rospide Schmitz - De 1997 até 2010, atuei como psicóloga perita nos Centros de Formação de Condutores (CFCs) e também trabalhei com um grupo de pais que perderam os filhos em acidentes de trânsito, na Fundação Thiago Gonzaga. Então, em contato com o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trânsito e Álcool da Ufrgs, comecei a pesquisar as características sociodemográficas e o perfil da habilitação dos condutores que reincidiram na infração por embriaguez nos anos de 2009 e 2010. A pesquisa foi feita por meio do banco de dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran/RS).

JC - Qual é o perfil do motorista reincidente?

Aurinez - A média de idade é de 41 a 50 anos. Esse dado muda totalmente a ideia de que quem reincide é o jovem. As pessoas mais novas têm uma primeira infração por alcoolemia, mas não se caracterizam neste estudo como reincidentes. Outro ponto é que 97% dos reincidentes são homens. A incidência de bebida é maior no homem, mas isso vem mudando um pouco, pois as mulheres estão ingerindo álcool cada vez mais e, em algum tempo, essa porcentagem pode mudar. Em relação à educação, foi constatado que pessoas com nível de escolaridade baixo, até a 5ª série, têm mais reincidência. As características da habilitação mostraram que o tipo mais recorrente de veículo no momento da autuação foram os caminhões. Vale ressaltar que eles não eram motoristas profissionais, apenas condutores habilitados para esse tipo de veículo.

JC - A reincidência evidencia um problema mais grave com esse motorista?

Aurinez - No Brasil, não existia bibliografia sobre os reincidentes. Este é o primeiro estudo que se conhece. Uma das hipóteses do trabalho é de que o uso de álcool como doença se desenvolve ao longo dos anos. Por isso, existe uma ligação com as pessoas entre 41 e 50 anos, que podem ter desenvolvido o alcoolismo e, assim, são constantemente pegas pela fiscalização. Essas pessoas, em dois anos, foram autuadas até quatro vezes. Por mais que ela queira, não consegue parar de beber.

JC - Quais estratégias poderiam ser adotadas pelos órgãos de trânsito a partir desse estudo?

Aurinez - Eu participei de um encontro na Austrália sobre álcool, drogas e trânsito, no qual foram abordadas as ações realizadas em outros países. Alguns locais fornecem tratamento para infratores. Para esses motoristas, quando abordados pela fiscalização, são oferecidos recursos para que eles possam se reorganizar. Aqui, a carteira é suspensa. Nesses países isso acontece, mas é oferecido tratamento. Essa seria uma alternativa. Claro que é preciso toda uma organização para isso. Existem outros dispositivos. Por exemplo: quando a pessoa retoma a utilização do carro, é implantado um sistema em que se assopra um equipamento e o carro só funciona se não houver traço de álcool. O próprio condutor paga a instalação desse sistema.

JC - O seu trabalho foi entregue ao Detran/RS?

Aurinez - Sim. Foi feita a entrega oficial para que o departamento leia e analise essas questões. Existem alguns pontos que dizem mais respeito aos órgãos de trânsito. Um deles é que esses condutores, de 41 a 50 anos, foram capacitados com base em uma legislação diferente em relação ao crime e à infração de trânsito. Além disso, a reciclagem prevê apenas aulas ou uma prova. Algo que é independente da faixa etária é o fato de que ainda se acredita que o álcool não interfere na direção. Isso se muda com esclarecimento, mas também com fiscalização. A certeza de serem fiscalizados inibe a ingestão de bebida. A educação das pessoas é a médio e longo prazo, mas precisamos de ações imediatas, pois se está morrendo hoje por causa dessa situação.

JC - A avaliação psicológica dos condutores deveria ser mais rigorosa?

Aurinez - Foi constatado que a avaliação desses reincidentes quando fizeram a sua habilitação apresentava, em sua maioria, a classificação “apto com restrições”. Isso significa que o psicólogo identifica algum traço diferente, sendo instruída uma reavaliação dentro de algum tempo. Essa classificação indica a necessidade de um estudo mais aprofundado. Contudo, é importante que se aplique um teste específico para avaliação do uso de álcool. Isso não é feito hoje. Outra questão é que, se a avaliação apontou simplesmente “apto”, essa pessoa nunca mais faz uma avaliação psicológica. O ideal seria que, a cada renovação, houvesse uma avaliação psicológica, pois pode-se desenvolver doenças ao logo de toda a vida.


 Jornal do Comércio - RS
 Jessica Gustafson

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Galeria de Vídeos