As manifestações que tomaram as ruas há um ano protestam contra os problemas que a deficiente e insuficiente infraestrutura de nossa economia trazem para o cotidiano da população. Além de transportes urbanos, temos problemas na logística de cargas - ponto importante do Custo Brasil -, no saneamento (apenas 57% dos domicílios atendidos com rede coletora de esgotos) e no fornecimento de energia, o que apresenta riscos de racionamento este ano. As telecomunicações foram o setor que melhor se estruturou na última década, mas a rapidez da evolução tecnológica e da necessidade de acessibilidade digital requerem mais investimentos aí também.
Quanto o Brasil deveria investir em infraestrutura para reduzir as agruras de usuários, comparado ao que atualmente investe? Com as demandas da Copa, o governo e o setor privado já não vêm investindo muito mais que no passado?
É preciso recuperar a relevância das agências reguladoras e reduzir o intervencionismo estatal na economia
O Brasil está claramente investindo menos que o necessário em infraestrutura. Os atuais níveis de investimento não correspondem aos avanços que o governo alardeia. Nos anos 70, o país chegou a investir mais de 4% do PIB por ano. Este número caiu nos anos 80, mas, desde a privatização do setor telecomunicações em fins dos anos 90, os investimentos em infraestrutura subiram ao patamar de 3% do PIB. Como mostra o quadro, desde 2002 o percentual de investimento em infraestrutura cedeu para uma média de 2,1% do PIB anual, mesmo com a adoção de programas correlatos como PAC, PIL e início das PPPs.
Entre 2011 e 2012, o Brasil conseguiu elevar seu investimento em infraestrutura para 2,3% do PIB. Para isto, contou com a forte oferta de capitais internacionais, com o amadurecimento dos marcos regulatórios criados desde os anos 90 e a experiência acumulada em concessões e PPPs. No ano passado, contudo, mesmo com a pressão para avanços na mobilidade urbana demandada pela Copa, houve surpreendente queda para 2,1% do PIB.
Para 2014 a projeção da Pezco Microanalysis é de que o investimento brasileiro em infraestrutura, tanto público quanto privado, será de R$ 104 bilhões, o que corresponde a 2% do PIB, ou seja, nova queda frente aos anos anteriores. Nesta projeção foram considerados os investimentos de capital nos setores de transportes (rodoviário, ferroviário, aéreo e aquaviário), energia elétrica (geração, transmissão e distribuição), telecomunicações (fixas e móveis) e saneamento básico (água e esgoto).
Quão deficiente é nossa infraestrutura frente a outros países?
Um estudo da McKinsey Global Institute publicado em 2013 (edição revisada) aponta o Brasil como o país com mais baixo estoque de infraestrutura instalada em proporção ao PIB numa amostra de treze países, com 53% do PIB, frente aos 179% no Japão (um caso de sobreinvestimento), África do Sul (87%), Suíça (85%), Itália (82%), Polônia (80%), China (76%), Espanha (73%), Alemanha (71%), EUA (64%), Índia (58%), Canadá (58%) e Reino Unido (57%).
Considerando nosso atual estoque de infraestrutura e um crescimento do PIB de 2% ao ano, um investimento de 2,1% do PIB apenas cobre a depreciação anual (estimada em 4%). Assim, se voltássemos a investir anualmente 4% do PIB, como nos anos 1970, em dez anos elevaríamos o estoque a 58% do PIB. A elevada produtividade marginal do investimento em infraestrutura permitiria à economia brasileira obter ganhos de eficiência nos demais setores da economia, acelerando o crescimento e o bem-estar da população.
O Brasil necessita e tem condições de elevar o investimento público e privado em infraestrutura para este patamar de 4% do PIB, o que significa investir mais R$ 100 bilhões anuais. Para tanto, é preciso destravar os programas de concessões e PPPs e contar com a participação do setor privado, pois o setor público não possui capacidade operacional e eficiência na execução desses projetos. Assim, é essencial corrigir os motivos do fraco desempenho dos investimentos em infraestrutura dos últimos anos.
Um deles é o ativismo governamental, manifestado, por exemplo, na definição de taxas internas de retorno relativamente baixas nos leilões de concessões e na maior frequência das intervenções discricionárias nos setores regulados, a exemplo do setor de energia elétrica em setembro de 2012. Outro são as indicações políticas descabidas nos quadros das agências reguladoras e a imposição de participação central de estatais em consórcios que disputam concessões, caso da Infraero nas concessões de aeroportos e da Valec nas ferrovias. Tais políticas tendem a aumentar o risco dos investimentos, prejudicando o aumento da participação privada em concessões.
Por fim, a "nova matriz macroeconômica" elevou sensivelmente os riscos na definição de preços administrados e das taxas de inflação, juros e câmbio, o que afeta diretamente a disposição de se investir em longo prazo.
Assim, contrariamente ao esperado quando o país foi escolhido em 2007 para sediar a Copa, o Brasil passa por um vale no ciclo de investimentos, o qual se espera seja revertido a partir de 2015. Os parcos resultados em melhorias da infraestrutura, as manifestações populares e os gargalos logísticos que vivemos mostram que o modelo atual faliu e precisa ser inovado. Para tanto, novas políticas serão necessárias, modificando o que não funcionou na modelagem e regulamentação de concessões e PPPs, recuperando a relevância das agências reguladoras e reduzindo o intervencionismo estatal na cena econômica.
Marcelo Allain é economista e professor da Fipe/USP marcelo.allain@deux.com.br
Frederico Turolla é economista, sócio da PEZCO Microanalysis
Fonte: Valor Econômico
Publicada em:: 03/07/2014
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