quinta-feira, 10 de julho de 2014

Novos destinos, velhos gargalos

Novos destinos, velhos gargalos
“A China vai sustentar um crescimento econômico relativamente elevado, mas não superelevado.” A frase do presidente chinês Xi Jinping durante uma conferência na China não deixa dúvidas: até os chineses já aceitaram que a era do crescimento de dois dígitos chegou ao fim. O temido desaquecimento da economia chinesa colocou em alerta muitos analistas que previam um forte impacto nas exportações brasileiras. Mas o quadro que se apresenta é inverso: à medida que reduz seu ímpeto de crescimento, a China parece cada vez mais ávida pelos produtos clássicos da pauta de exportações brasileiras. Em 2010, as exportações do Brasil para a China somavam US$ 30,7 bilhões. Em 2013, já chegavam a US$ 46 bilhões, um crescimento de 50%. No mesmo intervalo de tempo, as vendas para os Estados Unidos avançaram apenas 26%. Convém lembrar que, até 2008, os americanos eram os grandes compradores de produtos brasileiros. Deixaram essa liderança após a crise do subprime – e, desde então, jamais recuperaram os índices de comércio que costumavam manter com o Brasil. Já a China, àquela altura, era apenas o terceiro país que mais importava do Brasil. Perdia até para a Argentina. Hoje, há cerca de 30 milhões de chineses vivendo abaixo da linha da pobreza – com menos de 150 euros por ano. E a estatística, por incrível que pareça, merece alguma comemoração. Até o ano 2000, o país contava com mais que o dobro de pessoas abaixo da linha da pobreza. De lá para cá, milhões de chineses se inseriram no mercado de consumo e migraram para as cidades – onde passaram a demandar alimentos que o Brasil exporta em abundância, como o café. “Até a década de 1990, o consumo de café era proibido na China, por ser considerado uma prática ocidental. No passo passado, porém, o país já importou 1 milhão de sacas. Os chineses estão aprendendo a apreciar o café”, afirma Fernando Mourad, diretor da Câmara Chinesa de Comércio do Brasil (CCCB). Hoje, diz ele, a rede de cafeterias Starbucks tem mais lojas na China do que nos Estados Unidos. Esse contexto explica por que os embarques para a China devem crescer a despeito dos resultados do PIB. Segunda maior economia do mundo – e pronta para se tornar a primeira até 2016, segundo um relatório da Universidade de Oxford –, a China vem deixando para trás o modelo que a transformou na potência de hoje. Em vez dos pesados investimentos estatais em infraestrutura e do foco nas exportações, o governo chinês vem dando prioridade ao crescimento do mercado interno. “Isso não significa que não podemos manter o crescimento a um passo rápido, mas não queremos mais isso”, afirmou o presidente Xi Jinping, em uma conferência realizada no ano passado. O foco no fortalecimento do mercado interno abre boas oportunidades para o Brasil – e, consequentemente, para a região sul. “O presidente Xi Jinping já deu sinais de que nós, latino-americanos e brasileiros, teremos uma grande importância na agenda diplomática e comercial chinesa. Esse comércio é fundamental para sustentar o crescimento chinês e permitir que o país seja reconhecido como uma potência global”, afirma Mourad, da CCCB. Em 15 de julho, logo após a Copa, Jinping e outros líderes dos países em desenvolvimento virão ao Brasil para a sexta cúpula dos Brics, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O Mercosul não é mais o mesmo. Nos últimos anos, o bloco deixou de ser a esperança de uma abertura do Brasil para o mundo e se tornou uma espécie de fardo político. Os poucos acordos comerciais do bloco são com mercados pouco expressivos – como Egito, Marrocos e Israel. Enquanto isso, potências como Estados Unidos e Japão alinham importantes acordos bilaterais com a Inglaterra. Também há bons exemplos na própria América Latina: o Chile já tem mais de 50 acordos comerciais assinados com outros países e blocos econômicos. Basicamente, o Mercosul esbarra na própria burocracia – que exige, entre outros caprichos, consenso dos países-membros na consolidação de tratados com outras nações. Isso explica por que a negociação de uma área de livre comércio com a União Europeia, considerada estratégica para o Brasil, já se arrasta há mais de uma década sem avanços expressivos. A letargia, é claro, traz consequências diretas à balança comercial brasileira. Entre 2012 e 2013, as exportações para os países europeus caíram 12%, de US$ 37,4 bilhões para US$ 33 bilhões. “O Brasil caiu numa camisa de força da qual não quer ou não sabe como sair. O país não tem liberdade para tomar decisões e, assim, fica isolado comercialmente. Cada acordo tem de ser negociado em bloco”, analisaJosé Augusto de Castro, presidente da AEB. O Brasil propõe uma eliminação de 87% das tarifas de importação de produtos europeus. Uruguai e Paraguai defendem um percentual ainda maior, de quase 90%. Já a Argentina pleiteia, no máximo, 80%. Pudera: com uma economia fragilizada, os argentinos temem que a abertura às importações europeias possa agravar sua crise cambial. Mais ainda com o preço da soja em queda e com a redução na safra de trigo, entre outros fatores que enfraquecem a presença da Argentina nos fluxos globais de comércio. Segundo Castro, da AEB, o país está se desdobrando para gerar novas receitas cambiais – e a única forma de conseguir isso é com um superávit comercial de, no mínimo, US$ 10 bilhões por ano. No ano passado, por exemplo, o saldo argentino foi de US$ 9 bilhões. O sul do país é a região que mais sente as consequências da falta de entendimento entre os países do Mercosul, especialmente da Argentina. Em 2010, o Rio Grande do Sul tinha o mercado argentino como destino de 10% de suas exportações. Hoje, o percentual é de 7,6%. A queda é agravada pela complicada situação do setor calçadista. Em 2013, as exportações de calçados brasileiros para lá encolheram 13%. “A Argentina é o nosso segundo mercado mais importante. Por força da política protecionista, estamos perdendo uma grande participação nesse mercado”, diz Heitor Klein, presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). Para Cezar Müller, coordenador do Conselho de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiergs, também pesa o fato de a Argentina não favorecer os países do Mercosul em suas decisões de compra. “O Rio Grande do Sul tem perdido posições importantes em função das barreiras e do controle de importações argentinas. E não temos tido nenhum tipo de sinalização de que isso irá mudar”, diz ele. Uma ponta de esperança surgiu nas últimas semanas, com a perspectiva de troca das listas de ofertas entre os países – uma possibilidade que conta com a simpatia da Argentina. Com isso, as negociações com a União Europeia podem finalmente avançar. Recentemente, tanto o Brasil quanto a Argentina começaram a articular propostas para apresentar uma oferta comum aos europeus. Após uma reunião entre os ministros argentinos da Economia, Axel Kicillof, e da Indústria, Debora Giorgi, o ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior brasileiro, Mauro Borges, afirmou que o país está caminhando para uma oferta conjunta do Mercosul. Se não acontecer, o Brasil já dá mostras de que poderá puxar o processo de forma independente – conforme apregoa a presidente da Confederação Nacional de Agricultura do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu. “Outra alternativa seria transformar o Mercosul em uma área de livre comércio, deixando de ser uma união aduaneira, o que concederia aos países do bloco liberdade para negociar acordos bilaterais. Ou vamos esperar que a Argentina puxe o Brasil para junto dela na crise?”, questiona Castro, da AEB. O fato é que o ranking dos maiores compradores de produtos do sul do país está mudando. A China está crescendo e os destinos mais tradicionais – Estados Unidos e Argentina – perdem força. Ao mesmo tempo, uma tendência começa a se consolidar: a de expansão nas vendas para mercados que, até bem pouco tempo atrás, eram considerados alternativos. Países como os da região da Indochina –Tailândia, Cingapura, Vietnã e Malásia –, entre outros que vêm despontando na lista dos principais destinos das exportações dos Estados do sul (veja mais detalhes aqui). O peso desses países ainda é pequeno na balança comercial brasileira, é verdade. Mas seu crescimento tem sido expressivo – o que abre novas oportunidades para a região sul. O Paraná, por exemplo, registrou um salto de mais de 400% nas vendas para o Vietnã entre 2012 e 2013. Já o Rio Grande do Sul viu seus embarques quase triplicarem para a Tailândia. No caso de Santa Catarina, o foco ainda está em países da América Latina, como Peru, Bolívia e Chile. Mas essa mudança não é necessariamente boa. Para os Estados Unidos e Argentina, a maior parte das exportações era de produtos manufaturados e semimanufaturados. Para os sul-asiáticos, concentra-se em produtos básicos, como açúcar, minérios, ligas metálicas e derivados de petróleo. “Eles compram nossos produtos e industrializam. Acabam se tornando concorrentes no mercado internacional. Nossa missão é tentar recuperar nossa produtividade interna”, analisa Müller, da Fiergs. Nesse compasso, o aumento das exportações para mercados tradicionais depende, basicamente, de esforços isolados de alguns setores – como o vitivinícola. Dez anos atrás, o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) firmou uma parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e lançou o Wines of Brasil. Hoje, o projeto reúne 35 vinícolas de todo o país na tentativa de promover o vinho brasileiro no exterior, com ênfase nos mercados com maior poder aquisitivo. E já contabiliza conquistas importantes. Principal mercado externo do vinho brasileiro, os Estados Unidos respondem agora por um quarto das exportações do setor – não por acaso, já há um escritório instalado no país para facilitar a entrada de rótulos brasileiros. Iniciativas semelhantes foram tomadas na Alemanha e no Reino Unido. Os escritórios trabalham as marcas na imprensa, pontos de venda e feiras, e promovem até aulas de enologia. “O vinho brasileiro já atingiu maturidade no exterior. Não é mais um item exótico. Formadores de opinião já conhecem a produção local e veem o Brasil como um produtor importante no cenário mundial. Temos percebido uma evolução rápida”, destaca Roberta Baggio Pedreira, gerente do projeto Wines of Brasil. Somente no primeiro semestre de 2013, o volume de vinhos exportados para a Alemanha cresceu 20 vezes. Para Hong Kong, o salto foi de 13 vezes. O próximo passo é chegar à China, maior importador de vinhos do mundo. “O produto brasileiro tem um mercado vasto pela frente. Os consumidores estrangeiros ainda têm muito a conhecer. Nosso objetivo é que eles identifiquem o nosso vinho como uma opção imediata de compra”, explica Roberta. Países com tradição no consumo da bebida, acrescenta ela, estão aprendendo a apreciar o tom frutado e o baixo teor alcoólico dos rótulos made in Brazil. “Começamos a entrar nas grandes redes internacionais. Até então, nosso foco era construir a imagem e a reputação. Agora, estamos montando uma rede de distribuição. O consumidor vai poder encontrar o produto mais facilmente”, empolga-se Roberta. Entre os setores que vêm perdendo espaço lá fora, o calçadista é o que sofre mais percalços. Em 2013, por exemplo, a quantidade de calçados brasileiros enviada para o exterior cresceu 8,5% em relação ao ano anterior, chegando a 122,9 milhões de pares. Entretanto, o avanço não se refletiu no caixa das empresas do setor. Com o câmbio desfavorável e o cerco da concorrência asiática, o faturamento total da indústria calçadista estacionou em pouco mais de R$ 1 bilhão – um incremento de apenas 0,2% em relação ao ano anterior. Além disso, os exportadores perderam posições em mercados importantes, como nos Estados Unidos, onde a venda de calçados brasileiros recuou 15%. Para contornar o problema, os empresários estão indo à luta. “Estamos trabalhando na abertura de novos mercados onde, até pouco tempo atrás, não tínhamos uma participação relevante”, explica Heitor Klein, da Abicalçados. Entre os novos destinos estão a Rússia, a China, o Paraguai e Angola. O passo seguinte é emplacar as marcas brasileiras no exterior, com design original e maior valor agregado. “Isso vem crescendo a cada ano. O que ainda freia nossas exportações é o custo-Brasil, que torna nosso produto pouco competitivo. Se não fosse isso, voltaríamos a crescer rapidamente nesses países”, sustenta Klein.
Revista Amanhã
08/07/2014

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