Terça, 01 Julho 2014 09:42
PORTOGENTE
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Durante décadas, ele foi o principal
vilão da economia brasileira. Bastava o barulho dos cliques começar para os
consumidores ficarem em polvorosa. Temido na época da hiperinflação, o
remarcador de preços era presença constante nas lojas e nos supermercados, às
vezes usado mais de uma vez por dia durante a pior crise econômica da história
do país.
Consumidores que vivenciaram a inflação
galopante das décadas de 80 e 90, antes do Plano Real, que completa 20 anos
hoje (1º), recordam como a perda do poder de compra prejudicava a qualidade de
vida. Com o orçamento familiar comprometido pelo dinheiro cada vez mais curto,
a população não tinha condições de se planejar e precisava estocar comida logo
que recebia o salário para não passar fome no fim do mês.
“A hiperinflação provocava até
desarmonia no âmbito familiar. O marido às vezes desconfiava e perguntava por
que o dinheiro tinha sumido”, relembra a presidenta do Movimento das Donas de
Casa de Minas Gerais (MDC-MG), Lúcia Pacífico. “O remarcador era o verdadeiro
terror das donas de casa. Com os preços subindo até duas vezes por dia, todo
mundo corria quando ouvia a maquininha para pegar o máximo de mercadorias
possível.”
Funcionária de uma empresa estatal,
Maria de Lourdes Xavier, 66 anos, recorda que o consumidor tinha de ser ágil
para fugir das remarcações: “A gente estava conversando com uma conhecida no
supermercado e, do lado, já tinha um funcionário usando a maquininha”. Segundo
ela, era comum os consumidores encherem de três a quatro carrinhos para
estocarem alimentos.
Criado há 29 anos, o MDC-MG até hoje
divulga pesquisas de preços para beneficiar os consumidores e estimular a
concorrência entre os estabelecimentos comerciais. Grupos de donas de casa vão
aos supermercados e fiscalizam os reajustes e as “maquiagens” de embalagens,
quando o peso líquido do produto diminui sem mudança no preço.
Segundo Lúcia, o movimento foi útil não
apenas na época da hiperinflação como nos primeiros meses após o Plano Real,
para impedir a volta da inflação. “Muitos comerciantes aproveitaram a URV
[Unidade Real de Valor] para pôr os preços lá em cima e ampliar a margem de
lucro quando o real entrasse em vigor. Apertamos os supermercados, e eles foram
para cima dos fabricantes e dos fornecedores para conseguirem acordos de preços
mais baixos”, relembra.
O período inflacionário traz memórias
nada agradáveis a quem tinha o poder de compra comprometido. Dono de uma banca
de fotografias e de fotocópias, Osvaldino Alves Brandão, 58 anos, lembra-se da
dificuldade para abastecer o carro. “Naquela época, as coisas subiam muito
rápido. O combustível, em uma semana, estava mais caro. Não dava para planejar
nada, porque a gente não sabia o que ia acontecer”, diz.
Para quem não tinha condições de
aplicar dinheiro, a inflação era ainda mais cruel. Quem tinha acesso ao sistema
bancário corria para depositar o dinheiro na caderneta de poupança ou qualquer
outra aplicação que garantisse pelo menos a correção monetária. Mesmo assim,
corria o risco de perder dinheiro.
“A poupança rendia mais que hoje [já
que a inflação era maior], mas não sei se era o suficiente para compensar o
aumento de preços”, declara o vendedor de banca de revista José Edinaldo da
Silva, 55 anos. “Na época do cruzeiro, queria comprar o sapato da moda e até
hoje me lembro do vendedor, que era meu amigo, dizendo que seguraria o preço
até a tarde.”
Quem era criança ou nem tinha nascido
antes do Plano Real olha a hiperinflação com curiosidade e distanciamento, como
se as histórias viessem de outros países. “Já escutei na escola que a inflação
um dia foi bem maior”, diz o estudante Leandro Lázaro, 18 anos. “Vi, em novelas
antigas, as pessoas falando de preços e eram valores muito altos, como mil ou 6
mil cruzeiros”, recorda a vendedora Suelane Castro, 21 anos. Agência Brasil
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