segunda-feira, 22 de abril de 2013
A malha ferroviária do país e o café com pão de Bandeira
O final do romance Anna Karenina é um dos mais famosos da literatura mundial. Tolstoi impõe a seu personagem o mesmo destino que Flaubert deu a Madame Bovary.
E a sofrida e desesperada Anna se joga sob as rodas do trem que liga Moscou a São Petersburgo.
O suicídio ocorreu no fim do século 19 e a linha que serve as duas cidades continua lá até hoje, mas com máquinas mais velozes, que fazem o trajeto de 750 km em apenas quatro horas.
No Brasil, a cena dramática criada por Tolstoi é inviável mesmo nos tempos atuais. Nosso país, sem que nada justificasse, abandonou o transporte ferroviário na segunda metade do século 20.
A partir de Juscelino Kubitschek, todas as fichas foram jogadas no modo rodoviário. Aqui Anna Karenina teria que se jogar debaixo de um caminhão.
Mas os brasileiros adoram trens. Uma músicas simbólicas da obra de Villa Lobos é "O trenzinho Caipira" e Manoel Bandeira nos diverte a todos com seus versos "café com pão" no compasso de uma locomotiva.
Os mineiros, quando satisfeitos, usam e abusam da expressão: "Que trem bom, sô!". As máquinas de ferro estão mesmo no imaginário nacional.
Pesquisa recente revelou que os nossos jovens são os principais usuários do sistema Europass, que permite visitar de trem as principais capitais do Velho Continente a preços módicos.
Na Europa, os brasileiros são frequentadores assíduos da Victoria Station, em Londres, da Gare du Nord, em Paris, e da estação Termini, em Roma. De Lisboa todos sobem para Cintra no confortável comboio.
Se a falta de estradas de ferro afetasse apenas o transporte de pessoas, o país até que poderia ir em frente sem maiores problemas. Aos cidadãos resta sempre a alternativa de enfrentar estradas em mau estado, cruzar o país e chegar ao destino.
Trens para passageiros não há sequer entre as principais capitais. Mas o quadro mais grave é o do transporte de cargas. Enquanto no Brasil 82% da movimentação de carga é feita por caminhões, nos Estados Unidos a fatia desse modo rodoviário é de apenas 25%.
Isso significa desperdício e custos altíssimos. A safra de soja, com mais de 80 milhões de toneladas, é recorde, mas grande parte do lucro dos produtores é consumida pelos fretes e pelas multas por atraso na entrega da mercadoria.
Nas contas da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), o Brasil precisaria quase dobrar a malha de linhas de trens para atender à demanda atual, como mostrou reportagem do Brasil Econômico na edição desse fim de semana.
Se fosse possível realizar obras num passe de mágica, os atuais 28 mil quilômetros teriam de saltar para 52 mil quilômetros.
Nos planos do governo, trabalha-se com uma meta de 10 mil quilômetros. É muito pouco. O melhor a fazer é arquivar o ambicioso projeto do trem bala ligando Rio e São Paulo e aplicar os R$ 30 bilhões previstos em linhas convencionais.
Na expressão do grande poeta, é melhor ficar no café com pão, café com pão, café com pão...
Octávio Costa é editor-chefe do Brasil Econômico (RJ)
Fonte: Octávio Costa
Por: Brasil Econômico (RJ)
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