quarta-feira, 10 de abril de 2013
O Brasil e as cadeias globais
Em artigo anterior neste espaço (As cadeias produtivas globais, 22/3), discuti as grandes transformações em curso na economia mundial a partir do cenário da globalização e o papel das empresas transnacionais. Destacava que essas empresas são responsáveis por cerca de 2/3 do comércio internacional, e a metade desse montante, ou 1/3 do total, se refere a operações intrafirmas, entre matriz e filiais de um mesmo grupo.
Em muitos casos, as grandes empresas exercem poder de oligopólio nas estruturas de comercialização e, às vezes, ao mesmo tempo, de oligopsônio no mercado fornecedor. É um enorme desafio, tanto do ponto de vista da regulação do comércio internacional quanto para os mercados domésticos. As políticas de competitividade (industrial, comercial e de inovação) precisam cada vez mais levar em conta esse aspecto, sob o risco de, ao não fazê-lo, tornar inócuas suas iniciativas. Os centros de decisão dos grupos empresariais definem estratégias globais de localização da produção, centros de pesquisa e desenvolvimento e plataformas de exportação. Da mesma forma os fornecedores tendem a ser definidos globalmente, diminuindo o espaço para empresas locais.
O Brasil, nesse contexto, apesar de bem-sucedido em atrair e manter investidores estrangeiros em grande parte das atividades, ainda carece de estratégia mais articulada para uma inserção mais qualitativa no mercado global:
é preciso evitar que o sucesso na produção e comercialização de commodities represente um constrangimento para o desenvolvimento da indústria. São conhecidos na literatura econômica os efeitos da "doença holandesa", decorrente da apreciação da moeda em face da renda gerada pelo ingresso de recursos estrangeiros, inviabilizando a produção industrial local e provocando a deterioração do padrão de comércio internacional do País;
é muito importante, apesar da complexidade em fazê-lo, influenciar as decisões estratégicas das empresas transnacionais com operações no Brasil. Deve-se conhecer e interpretar suas estratégias e agir visando a garantir uma maior localização das suas atividades, assim como a incorporação dos fornecedores locais e a ampliação das exportações a partir daqui. As políticas de compras governamentais, de conteúdo local e de fomento à inovação, que vêm sendo adotadas vão nesse sentido, mas, mais do que isso, há um potencial pouco explorado de maior interação e articulação com os corpos dirigentes das filiais e matrizes dos grandes grupos empresariais com interesse no mercado brasileiro;
o ideal é que as atividades de inteligência voltadas para o estudo e interação com os grupos transnacionais sejam centralizadas num único órgão, aproveitando parte de várias iniciativas dispersas no âmbito governamental. Isso daria maior profundidade e peso à elaboração dos diagnósticos e estratégias a serem implementadas pelo mais alto nível da hierarquia da administração pública;
é a partir da abertura de maior diálogo e interação com as empresas que se poderá influenciar suas decisões, assim como conhecer as especificidades das condições demandadas por elas nos vários países onde mantêm atividades;
é também importante destacar que as iniciativas listadas anteriormente não substituem as ações de âmbito mais macro, também decisivas: a melhora do ambiente sistêmico para os investimentos; a negociação de acordos comerciais nas várias frentes; e um posicionamento incisivo e claro sobre a guerra cambial em curso na economia mundial.
Por último, vale ressaltar que a crise representa também uma oportunidade para o Brasil. Ao contrário de outras economias em recessão, como na Europa, ou com excesso de investimentos, como a China, temos uma demanda expressiva de projetos em infraestrutura e logística, por exemplo, que nos coloca como um dos principais polos de atração de investimentos estrangeiros, como, aliás, já vem ocorrendo.
* Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor do programa de estudos pós-graduados em Economia Política da PUC-SP, autor de 'Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil' e 'Desnacionalização'.
O Estado de São Paulo - SP
Antonio Corrêa de Lacerda **
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