segunda-feira, 3 de junho de 2013

"Os investidores estão muito mais desconfiados"

Para Elena Landau, o intervencionismo do governo, que muda regras no meio do caminho, reduz a credibilidade.

A ingerência política do governo Dilma Rousseff, com medidas pontuais para atender a interesses da hora, é a causa dos desequilíbrios no setor elétrico e também da desconfiança dos investidores para participar de outras concessões, como as de rodovias e ferrovias. A avaliação é da tucana Elena Landau, ex-diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) durante as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, nos anos 90.

"Essa política intervencionista do governo brasileiro hoje não funciona. É uma política antiga, que já foi experimentada nos anos 70, e não dá certo, com escolha de vencedores, desoneração pontual, economia fechada", diz a economista e advogada carioca, de 55 anos, que atualmente trabalha no escritório de advocacia Sérgio Bermudes. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Desde a aprovação da Medida Provisória 579, que tratou da renovação das concessões do setor elétrico, o governo vem promovendo uma série de mudanças regulatórias. Essas mudanças foram na direção certa ou causaram mais insegurança?

A MP 579 tinha um objetivo incontestável: reduzir o custo de energia. A forma como a MP foi preparada, colocada para a sociedade e para os agentes do setor, anulou esse objetivo, pois foi feita de cima para baixo. Isso mostrou claramente uma falta de planejamento para o setor elétrico. Para se ter investimento de longo prazo, é preciso regras claras e estáveis. Quando tiver mudança nas regras, ela precisa ser feita de forma transparente. O que aconteceu com o setor elétrico é a tônica do que acontece com a infraestrutura deste governo, que fica tentando resolver questões pontuais ao invés de ter um pensamento de longo prazo. Os investidores estão muito mais desconfiados.

Uma crítica de investidores é que há um viés mais político nas ações do governo para o setor elétrico. Essa crítica é injustificada ou há uma ingerência política demasiada no setor?

Que há uma ingerência política no setor, não há dúvida. É através da Eletrobrás que essa ingerência é percebida. Voltando à MP 579, ela claramente traz prejuízos para as empresas que aderiram à renovação de concessão. Quando algumas empresas não assinaram (a renovação da concessão), faltou energia para as distribuidoras. Some-se a isso o péssimo planejamento e você tem todo esse desequilíbrio setorial. Além disso, as distribuidoras da Eletrobrás não sofrem da Aneel o mesmo rigor na fiscalização que as distribuidoras privadas, porque, se sofressem, já estariam com pedido de intervenção decretado.

A privatização das estatais elétricas durante o governo FHC aconteceu antes da criação das agências regulatórias. Com a privatização, não houve redução das tarifas prometidas nem melhora nos serviços. Como a sra. compara o modelo de privatização de FHC com o atual de concessões para o setor elétrico?

Vou discordar. A privatização no governo Fernando Henrique, além da busca de qualidade e de investimentos fez parte de um programa de estabilização, que demandava o controle das contas públicas. Hoje, temos um modelo no qual não só o governo é intervencionista como não acredita em controle das contas públicas. No governo Fernando Henrique, um dos objetivos (da privatização) era arrecadar recursos para o Tesouro. Então o preço da venda do ativo era fundamental e isso, obviamente, determina o piso tarifário inicial. No caso das rodovias, durante governo Lula, o preço do pedágio foi colocado lá em baixo porque não havia preocupação com a questão fiscal. Por outro lado, o pedágio que o governo Lula oferece não remunera o capital. Na privatização do governo Fernando Henrique, os índices de qualidade melhoraram muito. As tarifas não caíram porque nos últimos dez anos aumentaram os encargos sobre as tarifas, o que não quer dizer que a remuneração das distribuidoras que foram privatizadas aumentou.

As concessões de rodovias e ferrovias não saíram do papel. O problema está nas condições oferecidas pelo governo ou nas exigências dos investidores?

É um pouco de cada coisa. Primeiro, não se pode fazer as coisas de forma picadinha. Se você quer modificar o modal de transportes, é preciso ter um modelo. O investidor que entrou nos aeroportos em 2012 teve umas condições e o que vai entrar neste ano tem outra condição. Ao mesmo tempo em que o governo aumenta a margem dos investidores nas ferrovias novas, as antigas sofreram uma redução do preço-teto tarifário de uma hora para outra. O que ocorre com as ferrovias antigas afeta o apetite de novo investidores.

Recentemente, o governo elevou a taxa de retorno para concessões de rodovias. Essa taxa será suficiente para atrair maior demanda para os leilões e o que seria uma taxa atrativa?

Uma taxa atrativa de retorno depende de setor para setor porque depende do risco setorial e de mercado. No setor elétrico, ofereceu-se uma taxa de retorno que foi sendo reduzida ao longo do tempo conforme o risco foi diminuindo. O que é ruim dessa postura do ministro (Mantega) é que se mudou de 5% para 7%, amanhã pode mudar de 7% para 8%. O investidor vai avaliar a sua taxa de retorno em relação ao risco dele e ele vai olhar para trás. Quem me garante que eu entro hoje para fazer uma rodovia por 30 anos e o governo me oferece 7%, mas de repente ele faz o que fez com o setor elétrico e com as ferrovias que, de uma hora para outra, ele muda esse retorno em nome do interesse público. Qual é o interesse público do governo ao fazer coisas localizadas? Aumentar a competitividade brasileira e baixar a inflação.

E como a sra. vê a modelagem de financiamento de infraestrutura e a participação do BNDES?

A participação do BNDES na infraestrutura não há o que questionar. O problema do BNDES hoje é receber recursos do Tesouro sem que isso esteja contabilizado no Orçamento. São mais de R$ 300 bilhões com impacto fiscal seriíssimo. E esses R$ 300 bilhões vão para aqueles que o BNDES elege e com subsídios embutidos de R$ 8 bilhões por ano. O problema é que, se o BNDES entra em outras áreas, ele expulsa o mercado de capitais privado. Cada vez mais o Brasil vai depender do BNDES, que dá taxas subsidiadas.

FONTE:  O Estado de S.Paulo
Por: FÁBIO ALVES

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