sexta-feira, 3 de julho de 2015

O crescimento veio pelos trilhos



Os trilhos ferroviários cruzavam a cidade de São Paulo de leste a oeste, percorrendo terrenos e campos pouco desenvolvidos. Por onde passavam, surgiam comércios e casas. Bairros como a Lapa, Campos Elíseos, Brás, Mooca e Luz devem seu progresso às locomotivas - São Paulo cresceu a todo vapor. Os trens deram o arranco necessário no caminho para o desenvolvimento, publicava o Estado em setembro de 1959. "(...) esse caminho reside num complexo de indústrias cujas possibilidades derivaram em parte da existência das ferrovias." 

Tudo isso se deve ao mecânico inglês Richard Trevithick, filho de engenheiro, que cresceu vendo máquinas a vapor bombeando água para fora das minas de estanho e cobre. Depois de aperfeiçoar e diminuir o tamanho dos motores, ele começou a aplicá-los no desenvolvimento de novos meios de transporte. Em 1801, criou a primeira locomotiva rodoviária, batizada como The Puffing Devil (O Diabo Bufante), que apesar de funcionar, não mantinha a pressão do vapor. Em seguida usou o mesmo princípio para movimentar uma carruagem e finalmente, em 1804, construiu a primeira locomotiva com dez vagões atrelados para ser usada em minas de ferro do País de Gales. 

Passageiros. A primeira linha férrea interurbana de passageiros do mundo surgiu em 1830, ligando as cidades de Manchester e Liverpool, na Inglaterra. Dez anos depois, o país contava com 10 mil quilômetros de trilhos. 

O sucesso repercutiu no Brasil. Em 1835, o Governo Imperial ofereceu incentivos – entre eles, a concessão de 40 anos do serviço do transporte ferroviário – para a companhia que ligasse o Rio a outros estados. Apesar dos atrativos, a primeira ferrovia nacional foi inaugurada somente em 1854, por iniciativa do industrial e banqueiro gaúcho Irineu Evangelista de Sousa – mais tarde conhecido como Barão (1854) e depois Visconde de Mauá (1874). Em uma viagem à Inglaterra, visitou fábricas de locomotivas e trilhos e teve a ideia de criar uma linha ligando o Vale do Paraíba, um polo produtor de café, ao porto de Estrela, no extremo da Baía de Guanabara, ao pé da região serrana do Rio. 

A Estrada de Ferro Petrópolis, linha com extensão de 14 quilômetros, ligava a Corte à vila de Fragoso, na base das serras fluminenses. Foi a primeira viagem de trem que rendeu ao empreendedor o título de Barão de Mauá, concedido por um passageiro deslumbrado, Dom Pedro II. 

O império estava mais interessado em ligar Rio e São Paulo. Maior produtor mundial de café, o estado paulista vinha enfrentando dificuldades logísticas de escoamento dos grãos do interior para o porto de Santos. 

Até então, o transporte de mercadorias era feito em lombo de burros. Naquela época, os portos de Paraty e Angra dos Reis exportavam cerca de 100 mil sacas de café, provenientes do Vale do Paraíba. Imagine a cena: os portos recebendo anualmente cerca de 200 mil animais carregados com café e outros produtos agrícolas. Os custos eram inviáveis. 

Mauá saiu na frente e inaugurou a São Paulo Railway Company (SPR), em 1862, dessa vez com capital inglês. A estrada unia Jundiaí, no interior, ao porto de Santos, até hoje a maior saída e entrada de mercadorias do País. Mas abrir os 159 quilômetros para os trilhos passarem foi um desafio complicado. O trajeto era considerado impossível em função dos 800 m de declive acentuado da Serra do Mar. Para dificultar, o risco de desmoronamento impossibilitou o uso de explosivos nas obras. Os engenheiros então providenciaram pontes e túneis, cavados à mão, e uma descida em três fases para resolver a questão. 

No fim do Império, o Brasil apresentava 9.538 km de ferrovias. A grande expansão aconteceu na República Velha, que prolongou os trilhos para 29.000 quilômetros. Grande parte desse traçado surgiu em São Paulo, estado que chegou a ter 18 ferrovias, impulsionadas pelo crescimento do café, principal produto nacional da época.

Grandes ferrovias.As maiores empresas foram Estrada de Ferro Sorocabana, Mogiana, Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, Companhia Paulista de Estradas de Ferro e a Railway, mais conhecida como Santos-Jundiaí, que fazia a ligação do interior ao porto de Santos. 

O primeiro grande baque às ferrovias ocorreu em outubro de 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York. O café não resistiu ao abalo da economia e o preço caiu bruscamente. Milhões de sacas e pés de café foram queimados. 

O golpe final nas ferrovias veio em 1950, com o plano de desenvolvimento rápido do então presidente Juscelino Kubitschek. A construção da malha férrea era lenta para fazer o Brasil crescer "50 anos em cinco", como ele queria. As rodovias, com a promessa do investimento de montadoras, pareciam a alternativa mais atraente. Em 1957, o governo estatizou as companhias ferroviárias remanescentes. No mesmo ano, o Estado publicou a manchete: "Desequilíbrio financeiro da indústria ferroviária”. 

Sucateamento. "Infelizmente hoje as ferrovias estão abandonadas”, afirma Sidnei Gonçalves, diretor da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF). Para ele, o trem continua sendo uma alternativa valiosa principalmente para o transporte agrícola, em um país com dimensões continentais. 

"Na época das safras, as rodovias já não comportam mais os caminhões. Antigamente existia todo esse escoamento, mas se perdeu muito. Se tivéssemos investido mais no passado, seríamos hoje um país de primeiro mundo.”

Fonte: O Estado de S. Paulo
Publicada em:: 30/06/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Galeria de Vídeos