quinta-feira, 22 de agosto de 2013
"Black blocs" tomam fôlego
Será prematura qualquer comemoração de vitória do Banco Central contra os investidores ativos na ponta de compra do dólar.
Após uma maratona de intervenções da autoridade monetária, a moeda fechou ontem em baixa de 0,91%, cotada a R$ 2,3940. O grande problema é que isso aconteceu num dia de queda das taxas dos títulos do Tesouro americano.
O rendimento dos T-Notes de 10 anos baixou de 2,88% para 2,82%. Foi o típico dia em que os estrategistas de fundos decidem realizar lucros, tomar fôlego e partir para novos ataques na sessão seguinte se as condições climáticas permitirem.
Elas serão dadas hoje pela ata da última reunião do comitê de política monetária do Federal Reserve (FED). Esse movimento de contagem de ganhos também ficou patente na redução das posições "compradas" mantidas por fundos nacionais e estrangeiros nos mercados futuros de câmbio da BM&F.
Essas posições caíram US$ 2,73 bilhões na terça-feira, para US$ 26,88 bilhões. Os exércitos dos "comprados" recuaram ontem para festejar os despojos, descansar e juntar forças, enquanto o BC tratava de recuperar terreno perdido.
Ele fez dois leilões de venda de swaps cambiais, um de colocação de papéis novos, no valor de US$ 993,4 milhões, e outro de rolagem de vencimentos marcados para setembro no montante de US$ 1 bilhão.
E depois efetuou leilões de dólares com compromisso de recompra no valor de US$ 4 bilhões. Com essas atuações, o BC cumpriu a promessa inscrita em nota oficial assinada pelo presidente Alexandre Tombini segundo a qual "não deixará de ofertar proteção (hedge cambial) aos agentes econômicos e, se necessário, liquidez aos diversos segmentos do mercado".
A trégua de ontem permitiu aos agentes uma análise mais cuidadosa do trecho final da nota, aquele que diz que Tombini "lembra, mais uma vez, que as cotações oscilam e que a concentração de posições em uma única direção poderá trazer perdas aos que apostam em movimentos unidirecionais da moeda". O recado é claramente dirigido aos investidores liquidamente "comprados" em cupom cambial e dólar futuro. O BC está dizendo que eles podem amargar perdas.
A nota menciona apenas as decorrentes do fato de que o câmbio oscila. Mas a menção a esse fato da vida, evidente por si mesmo, parte integrante do arriscado negócio de comprar e vender dólar, tem mais o sabor de uma ameaça do que simples exortação ao bom-senso.
Se as cotações oscilarem mas mantendo íntegra a tendência primária de alta, como vem acontecendo desde meados de maio, esses investidores unidirecionais não têm o que temer. Podem persistir operando contra os fundamentos que, enquanto o rendimento do T-Note de 10 anos estiver em busca dos 3%, dificilmente haverá como evitar o prosseguimento da onda de alta do dólar mesmo que a promessa de Tombini de farto suprimento de hedge e liquidez se cumpra estritamente todos os dias.
E não há como duvidar dela: foi feita em nota oficial, um documento assinado que só poderá ser revogado por outro. Para fazer com que a oscilações da cotação mudem o sentido primário do viés, o BC terá de tomar outras providências. O hedge e a liquidez podem não ser suficientes. Daí vem a suspeita de que a nota contém, camuflada, uma intimidação.
O problema é que a única medida capaz de reverter a tendência primária de alta não depende exclusivamente do BC. Trata-se do controle do movimento de capital estrangeiro via imposição de tributações inibidoras. Quem baixa este tipo de medida é o Ministério da Fazenda. Mas o ministro Guido Mantega sustenta uma equidistância intrigante.
Entendendo a questão: o processo em curso de normalização das condições monetárias dos EUA age como gatilho essencial da alta do dólar; ele desloca capitais de investimentos dos países emergentes para os EUA; para tornar essa migração menos traumática, o mercado defende, em manifestações pacíficas e livres, uma guinada da política econômica brasileira em direção aos princípios ortodoxos (austeridade fiscal, rigor monetário contra a inflação, câmbio flutuante e desintervenção na economia); essa arrumação da casa, destinada a restaurar a confiança da sociedade no seu governo, implica porém em maiores sacrifícios, sobretudo de crescimento.
Só que, entre os manifestantes pacíficos, têm a turma dos "black blocs" do mercado, os especuladores que exacerbam a tendência primária de alta do dólar. Ao contrário dos black blocs das ruas, não são anticapitalistas, visam o lucro, mas não deixam de agir violentamente para destruir propriedades, pois sua ação distorce os dois preços mais fundamentais da economia, o câmbio e o juro. São preços que, desfigurados, podem deteriorar as contas públicas e as finanças das empresas, reduzindo produção, demanda e empregos. Contra os black blocs do mercado, só o IOF funciona.
E a quebradeira não ocorre apenas nos pregões de derivativos cambiais da BM&F. Os mesmos investidores que estão "comprados" em dólar, estão "vendidos" no mercado futuro de juros. Eles estão "vendidos" em PU e "comprados" em taxa e ganham se a variação do CDI do período do contrato for maior do que a taxa prefixada. Ou seja, se o Copom do BC fizer elevações da Selic maiores do que as precificadas pelas taxas prefixadas.
Foi para desarmar essa expectativa de aperto monetário acima do previsto que a nota de Tombini frisou "que os movimentos recentemente observados nas taxas de juros de mercado incorporam prêmios excessivos". Ontem, com muita relutância, o DI devolveu parte desses prêmios. A taxa para a virada do ano cedeu de 9,33% para 9,15%. Novos leilões de recompra de títulos prefixados pelo Tesouro ajudaram a convencer os recalcitrantes.
Se os black blocs não estivessem em ação nos mercados, quanto seria o dólar ajustado para o atual quadro externo e para enfrentar as desconfianças internas? Seria, segundo cálculos do economista Paulo Rabello de Castro, diretor da RC Consultores, de R$ 2,25 e não os atuais R$ 2,40, ou R$ 2,50 como parece ser a meta dos especuladores.
Mesmo estressando as variáveis financeiras que influenciam o câmbio - juros e confiança na gestão interna - o modelo econométrico da RC, que mantém fina aderência ao câmbio efetivo de 2006 para cá, preconiza o retorno do dólar para afaixa de R$ 2,25. "O presidente do BC não estaria apenas fazendo uma declaração de bombeiro, isto é, tentando apagar parte do incêndio do câmbio com seu alerta aos especuladores. O risco de prejuízos nas posições compradas realmente existe numa ótica econométrica", diz Rabello de Castro.
Brasil Econômico
Luiz Sérgio Guimarães **
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