quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Olhar do Planalto - Agendas em colisão
Com a proximidade das eleições, as áreas técnicas nos ministérios já sentem o aumento da pressão do Palácio do Planalto por entregas e prazos.
O dilema está no fato de que os ritmos da política e da gestão frequentemente não dialogam. Os entraves, em especial na execução de investimentos, estão associados a um extenso número de problemas que incluem falta de coordenação dentro e fora do governo, sucateamento da máquina estatal, microgerenciamento de demandas (e o avanço do calendário eleitoral costuma multiplicar demandas eleitorais específicas), embates internos e um custoso processo de aprendizagem.
No início de julho, por exemplo, o governo anunciou a conclusão das consultas públicas para o primeiro trecho ferroviário do programa de investimentos em infraestrutura, anunciado em agosto do ano passado. Trata-se do trecho de 457 quilômetros entre Açailândia (MA) e o porto de Vila do Conde, em Barbacena (PA).
Em relação ao cronograma sonhado no lançamento do programa, em agosto de 2012, contabiliza-se um atraso de pelo menos cinco meses. Ainda assim, integrantes do setor privado foram surpreendidos com um relatório que não incorporava todos os aperfeiçoamentos em discussão. Ou seja, no dilema entre tempo e qualidade, pode ter havido perda para os dois.
Após 20 anos sem investimentos em infraestrutura, não apenas rodovias, ferrovias, portos e aeroportos estão sucateados. A capacidade administrativa do setor público também. "Com exceção do setor de energia, não há planejamento há anos. Falta também uma ação coordenada entre os governos federal, estadual e municipal", aponta o economista Claudio Frischtak, especialista em logística. Frischtak, que produz rotineiramente informações estatísticas e orçamentárias sobre os investimentos na área de infraestrutura, aponta que as limitações se concentram no setor público, especialmente na capacidade de execução do governo Federal e suas autarquias.
Em 2010, os investimentos orçamentários do governo federal em infraestrutura chegaram ao pico de 0,46% do PIB, mas caíram para 0,28% em 2012. A redução foi parcialmente compensada pela elevação dos investimentos das estatais federais, um pouco mais ágeis. No mesmo período, o setor privado elevou sua participação de 1,02% para 1,24% do PIB. "A questão não é dinheiro, é gestão", afirma Frischtak. Depois de tantos anos sem realizar investimentos, faltam no setor público experiência, memória e conhecimento para levar adiante modelos complexos de parceria. Sem falar no modelo jurídico - um emaranhado de leis e entraves burocráticos que elevam os custos das ações governamentais.
A esse contexto, adicione-se a estratégia escolhida pelo governo para tentar alcançar a chamada modicidade tarifária. Ao lançar o Programa de Investimentos em Logística, a opção foi oferecer taxas de retorno estreitas demais. A reação negativa do setor privado levou a uma nova rodada de negociações, dessa vez assumida pelo Ministro da Fazenda, Guido Mantega. Foram seis meses de diálogos e cálculos (de janeiro a junho) até que se concluíssem as novas taxas estabelecidas para os contratos de ferrovias e rodovias. Foi um processo de aprendizado cujo primeiro teste está previsto para setembro, quando, pelo programa oficial, deverão ocorrer os leilões dos primeiros trechos de rodovias - BR-262 ligando Espírito Santo a Minas Gerais e BR-050 ligando Goiás a Minas Gerais.
Não é só o governo federal a tocar programas de infraestrutura no padrão tentativa-e-erro. Depois de enfrentar, no início deste mês, uma licitação deserta para a construção da Linha 6 do Metrô paulistano, o governo de São Paulo teve de sentar-se à mesa com as empresas interessadas e revisar as condições da parceria público-privada. A iniciativa privada alegou desinteresse em participar do processo, entre outros motivos, pelos custos envolvidos nas desapropriações de imóveis na área do empreendimento.
As dificuldades de gestão se estendem também aos municípios e a obras em geral. A ponto de inspirar, dentro do governo, propostas e edição de um programa de atração de engenheiros estrangeiros, inspirado no Mais Médicos. A ideia seria buscar profissionais capazes de trabalhar na elaboração dos projetos básicos e executivos de obras municipais realizadas com repasses federais. O projeto básico, como diz seu nome, é básico mesmo: destina-se a caracterizar a obra, sem a qual não há licitação. E, sem licitação, não há repasse.
O episódio do Trem de Alta Velocidade (o trem-bala destinado a ligar Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas) encaixa-se melhor no nicho dos embates internos. Adiado por pelo menos um ano - entre empresários, dá-se como certa a postergação para depois das eleições presidenciais - o projeto não era considerado uma prioridade pela área econômica. Avaliava-se que o custo político de realizar a obra agora era excessivo. Despois de penosas negociações em torno das taxas de retorno, a licitação para a operação do trem acabou desmarcada sob o risco de ter apenas um concorrente, como costuma acontecer a projetos em torno dos quais não há consenso interno. Mas as idas e vindas causaram desgaste ao governo.
Em 2013, os dados parciais amealhados por Claudio Frischtak apontam melhora nas taxas de investimento como um todo no que se refere ao setor de transportes. O governo prevê uma arrancada nas concessões da área de infraestrutura no segundo semestre. O calendário eleitoral colide com o passo da máquina pública, mas sempre é um grande incentivo para movê-la.
Brasil Econômico
Sonia Filgueiras **
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