segunda-feira, 30 de setembro de 2013

RTI atiça nervos dos pregões


Setembro termina hoje com um evento relevante para o mercado financeiro, capaz de alterar o comportamento dos ativos, a divulgação pelo Banco Central de um documento que aquecerá as turbinas para a reunião do Copom da semana que vem.

Trata-se do Relatório Trimestral de Inflação (RTI), relativo ao terceiro trimestre do ano, um catatau que mostra como o BC está vendo não só o andamento da inflação, mas também a atividade econômica, o câmbio e as políticas creditícia, monetária e fiscal. O RTI dará hoje a primeira visão sobre o impacto gerado na política monetária pela estabilização da taxa de câmbio entre R$ 2,20 e R$ 2,25 e pela decisão do Federal Reserve (Fed) de adiar o início da normalização monetária americana.

O RTI é peça fundamental do arcabouço legal em que se sustenta o sistema de metas de inflação. Os outros são as atas do Copom e os Boletins Focus. Todos estabelecem a comunicação oficial do BC com o mercado e orientam a ancoragem das expectativas.

No relatório desse trimestre, o BC poderá explicar detalhadamente porque acredita que os analistas estão sendo, em geral, pessimistas demais em suas projeções de crescimento da economia e inflação - pessimismo este que mina a confiança de consumidores e empresários e acaba desancorando as expectativas. As argumentações poderão mudar ou consolidar a anuência já estabelecida em torno dos próximos passos do Copom.

Pelo Focus, as instituições estão há duas semanas fechadas no consenso de que o comitê fará mais duas altas na taxa Selic, uma de 0,50 ponto no encontro do próximo dia 9 e outra de 0,25 ponto na última reunião do ano, agendada para 27 de novembro. Com isso, a Selic subiria para 9,75% e encerraria o ciclo de aperto iniciado em abril, quando a taxa estava no piso histórico de 7,25%.

Essa concordância foi definida apenas entre os cem economistas de instituições consultados pelo BC para a confecção do Focus. Tesoureiros e gestores - os profissionais que põem dinheiro nos pregões - discordam. A curva de juros definida pelo mercado futuro de juros da BM&F não supõe uma interrupção do arrocho quando a Selic chegar a 9,75%. Para ela, a taxa passará por cima desse degrau, evoluindo direto de 9,5% para 10%. E não irá parar por aí. Deve continuar subindo em 2014.

Parece ao RTI ser mais fácil convencer os economistas do que os tesoureiros. Estes receberam um pito pessoal de Alexandre Tombini, presidente da autoridade, por meio de nota oficial emitida no dia 19 de agosto, três dias antes do anúncio da nova sistemática de intervenções cambiais. A nota advertia que os "movimentos recentemente observados nas taxas de juros de mercado incorporam prêmios excessivos".

Tombini escreveu a nota com o mapa das taxas do DI futuro daquele dia em mãos: 9,33% para janeiro de 2014, 10,66% para janeiro de 2015 e 11,84% para janeiro de 2017. Na sexta-feira, as taxas para esses mesmos contratos fecharam, respectivamente, em 9,31%, 10,14% e 11,41%. Depois de um mês de muito sobe-e-desce, o mercado ainda respeita a bronca de Tombini. Resta saber se já emagreceu todo o excesso visto pela autoridade.

Como os tesoureiros são imprevisíveis, pois reagem a todo instante a uma árvore de Natal de dados e informações que piscam nas telas, os argumentos terão de ser convincentes sobretudo para consolidar a visão naturalmente menos excitada dos economistas. O quadro pintado por eles no Focus não é inteiramente desconfortável: supõe que para o BC obter este ano uma inflação acumulada abaixo dos 5,84% registrados em 2012 bastará subir a Selic até 9,75% mesmo que a taxa de câmbio vá a 2,33%. Mas, por enquanto, ninguém rodou nas planilhas o efeito de um aumento dos combustíveis no trimestre, o último do ano, que começa amanhã.

Há grande expectativa das instituições sobre os novos números que comporão o cenário de referência do BC. Na edição passada do RTI, referente ao segundo trimestre, ele trabalhava com a hipótese de a Selic da época, 8%, conseguir segurar a inflação em 6% supondo-se um dólar a R$ 2,10. Tudo mudou. Com taxa básica de 9% e um câmbio a R$ 2,20, quanto será o IPCA previsto pelo BC? Muita curiosidade também para se conhecer a projeção do BC para a evolução do PIB, já que o mercado prevê 2,4% e a autoridade diz que ele vem se mostrando exageradamente pessimista.

O RTI será publicado no site do BC às 8h30 e os analistas terão até às 11 horas para lê-lo, quando começará a entrevista do diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton Araújo, sobre o relatório. Tido como o mais hawkish dos membros do Copom, Araújo costuma dar coletivas que sacodem os mercados.

Os pregões domésticos tendem a ser afetados também por três eventos importantes nos EUA. O primeiro é o prosseguimento das discussões no Congresso em torno da elevação do teto do endividamento público, hoje fixado em US$ 16,7 trilhões. Ele será rompido em meados de outubro e o governo ficará sem dinheiro para pagar a totalidade dos compromissos vincendos. A ameaça de calote e de consequente rebaixamento da nota de risco soberano dos EUA provocam rejeição dos títulos do Tesouro. Isso eleva os juros dos papéis. A economia conviverá com um aperto monetário a despeito da política ultraacomodatícia do Fed.

O segundo é discurso, na quarta-feira, em St. Louis, do presidente do Fed, Ben Bernanke. Será a primeira vez que falará desde a reunião do dia 18. Em pauta, a questão mais urgente, de como lidar daqui para frente com o impasse fiscal e a eventualidade de um esfriamento econômico, seja por causa da impossibilidade de firmar logo um acordo que viabilize a ampliação do limite legal da dívida pública, seja na hipótese de ser assinado acordo que implique em severa contenção fiscal. O terceiro é a divulgação, na sexta-feira do "payroll", o relatório oficial sobre o mercado de trabalho, o indicador mais crucial observado pelo Fed para o manejo da política monetária.

O dólar, que na sexta-feira fechou em alta de 0,49%, cotado a R$ 2,2570, ficará muito sensível a todos esses temas. Os "comprados" em dólar futuro tem até hoje para tentar reduzir mais um pouco as perdas sofridas em setembro. Até sexta-feira, a moeda mostrou uma desvalorização de 5,37% no acumulado do mês. Os investidores estrangeiros não desistem da briga. Na posição de quinta-feira, sustentavam um montante total de US$ 19,30 bilhões em compras futuras de dólar e cupom cambial. Trata-se de volume recorde absoluto.


Brasil Econômico
Luiz Sérgio Guimarães **

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