quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Avança o debate sobre integração sul-americana


Evento discutiu gargalos com representantes das áreas pública e privada

“Desde a época de Simón Bolívar pensa-se a integração da América do Sul. A pergunta agora é: integrar para quê?”, indaga o embaixador da Bolívia no Brasil, Justiniano Talavera. Para o diplomata, a resposta está na necessidade de superar a pobreza e alcançar o desenvolvimento, com qualidade de vida.

Especificamente sobre a relação do Brasil com a Bolívia, Talavera defende que não pode ser focada apenas na troca comercial e deve abranger também o benefício dos povos. Segundo o dirigente, o atual governo boliviano tem como filosofia que os recursos naturais (gás natural) do país devem beneficiar os bolivianos. “Quando vendemos gás ao Brasil, queremos ter benefícios com ciência, tecnologia e desenvolvimento.” Talavera afirma que o desejo é abrir fronteiras e poder fornecer, além de produtos energéticos, itens agrícolas e autopeças.

“Quando vemos o Brasil chegando a ser a sexta ou quinta economia do mundo, estamos ao seu lado, somos vizinhos, queremos subir nesse carro vitorioso”, salienta. O embaixador foi um dos participantes do Congresso Internacional das Rotas de Integração da América do Sul (IX Cirias), realizado pelo Comitê das Rotas de Integração da América do Sul. O evento iniciou as atividades ontem, na Fiergs, em Porto Alegre, e será encerrado hoje. “Estamos terminando de construir a ponte que ligará os setores público e privado”, afirma o presidente do Comitê das Rotas de Integração da América do Sul, Joal Teitelbaum. Entre os assuntos que serão tratados no evento deste ano, o empresário cita a estruturação de um fundo garantidor para obras de infraestrutura, o debate quanto aos pontos em comum das nações sul-americanas e a forma de gestão e governança que pode ser adotada pelos governos e iniciativa privada para melhorar a produtividade.

“O círculo virtuoso só ocorre quando a infraestrutura está consolidada”, argumenta Teitelbaum. O dirigente detalha que, dentro desse cenário, o PIB nacional cresce, incrementando a arrecadação, sem aumentar impostos, gerando recursos para saúde, educação, entre outras áreas. O diretor de Assuntos Econômicos da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), Gabriel Pérez Salas, ressalta que a integração da infraestrutura é fundamental para o desenvolvimento econômico e social.

De acordo com o dirigente, a forma para atingir esse objetivo é alcançar a complementariedade dos projetos desenvolvidos em cada país. Algumas obras que assumem grande destaque em uma nação não são assim consideradas pelos vizinhos, o que as impede de galgar um potencial maior. Para Salas, o cenário político atual é propício para que a integração se desenvolva. O diretor da Cepal aponta que, sem dúvida, o Brasil é e será o motor desse processo. No entanto, Salas reitera que é necessário atenção com a complementariedade. O dirigente admite que a integração é uma medida que leva tempo e que requer a conquista de confiança institucional. “Mas a integração física é o primeiro passo, depois vêm questões como moeda única e comércio.”

Ideia de gasoduto ligando Bolívia, Argentina e Rio Grande do Sul persiste

Todo projeto de integração interessa à Bolívia, enfatiza o embaixador do país no Brasil, Jerjes Justiniano Talavera. Por isso, ainda é avaliada a construção de um gasoduto ligando o Sul boliviano ao Norte da Argentina, chegando ao Uruguai e ao Rio Grande do Sul. No entanto, Talavera revela que a preferência do país é produzir eletricidade na própria Bolívia com o gás natural e comercializar a energia para o Brasil.

Apesar dessa prioridade, se o gasoduto boliviano alcançar a Argentina e se estender, a estrutura possibilitará a materialização de um antigo projeto gaúcho: um gasoduto ligando Uruguaiana a Porto Alegre. Esse empreendimento quase saiu do papel no passado, mas por escassez do gás natural argentino que alimentaria o sistema inicialmente, não foi viável o prosseguimento da ideia.

O coordenador de Energia e Comunicações da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI), Eberson Silveira, acredita que ainda é imaginável manter o projeto de um gasoduto unindo Uruguaiana a Porto Alegre. Até porque o Rio Grande do Sul está com a sua capacidade de fornecimento de gás natural (2,65 milhões de metros cúbicos ao dia) praticamente esgotada. Porém, o especialista lembra que é preciso encontrar “âncoras” para o complexo (grandes consumidores, como termelétricas, que justifiquem o aumento da oferta de gás).

O integrante da AGDI defende que a questão energética é um ponto muito importante dentro da integração de nações. E, hoje, as interligações ainda são tímidas. Recentemente, uma questão que levantou discussões sobre a estabilidade de regras entre as nações sul-americanas foi o fato de o governo boliviano ter assumido o controle de duas refinarias da Petrobras localizadas no país vizinho.

Talavera explica que na Bolívia foi feita uma lei que determinava que os lucros da exploração e exportação dos hidrocarbonetos seriam divididos 50% a 50% entre Estado e companhias. Contudo, o embaixador afirma que o governo neoliberal de Gonzalo Sánchez de Lozada trocou a regra, diminuindo a participação do Estado. Talavera afirma que a situação da encampação das refinarias foi explicada pelo presidente Evo Morales ao então presidente Luiz Inácio Lula da silva, que compreendeu as condições.

“Não é possível que um país como a Bolívia subvencione ao Brasil, é ridículo”, sustenta o embaixador. Talavera acrescenta que, quando se definiu a nacionalização dos hidrocarbonetos bolivianos, foi estabelecido que, junto com o gás natural, precisariam ser valorizados alguns elementos químicos do composto (frações líquidas). Com isso, a Petrobras deveria pagar parcelas de no mínimo US$ 100 milhões e de no máximo US$ 180 milhões ao ano à Bolívia.

Talavera informa que a estatal pagou apenas uma vez desde 2007. “Como explicar que potências como a Petrobras e o Estado brasileiro devem a um país pequenininho, com uma economia 500 vezes menor?”, questiona. Entretanto, o embaixador reitera que as relações entre os dois países continuam em um excelente nível.


Jornal do Comércio - RS
 Jefferson Klein


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