quinta-feira, 11 de abril de 2013

Junta Comercial, órgão regulador?




Já se tornou monótono e sem resultados escrever e falar acerca do "custo Brasil". O poder público, efetivamente, pouco faz para solucionar os problemas que há décadas dificultam o desenvolvimento do país, bem como impedem a segurança jurídica daqueles que querem investir - estrangeiros ou empreendedores que buscam respeito e garantia para seu negócio.

Sabe-se que um dos entraves é a burocracia para criação de novas empresas, com consequências que se multiplicam e se agravam nos diversos órgãos inscricionais, conforme a atividade escolhida.

De outro lado, na contramão dos reais acontecimentos, assisti-se o mesmo Poder Público alardear perante a mídia que a desburocratização ocorrerá num futuro próximo, sempre por meio de atitudes pontuais e sem nenhum efetivo resultado prático - essa é a triste, nua e crua verdade.

Bem, mas não é essa a tônica que se pretende dar a este artigo. O que se quer abordar é outra questão que também merece destaque, trata-se de uma espécie de dualidade interpretativa em relação à segurança jurídica dos atos societários levados a registro, em especial perante as Juntas Comerciais, assim vejamos.

Está ficando comum, cada vez mais, que os órgãos incumbidos da execução do registro de empresa (as Juntas Comerciais) proponham "ex-oficio" revisão administrativa de arquivamentos societários de contratos anteriormente e validamente registrados.

A aludida revisão administrativa se lastreia no controle material dos atos societários, entrando no mérito das relações entre os sócios, muitas vezes deliberatórias ou até mesmo de cunho pessoal.

Com esta prática, os órgãos registrários consideram que qualquer ato pode ser desarquivado, pouco importando se geraram ou não efeitos, assim como desconsiderando todos os possíveis contratos entabulados com terceiros ou mesmo a publicidade, a eficácia ou a segurança que seu registro gerou.

Quer dizer: para desarquivar um contrato de sociedade basta o critério avaliativo do chefe hierárquico do órgão público, com base no princípio de que a administração pública detém o poder de desconstituir os seus próprios, quando se deparar com algum vício que não foi atentado no momento de seu arquivamento.

Aqui está o problema. As Juntas Comerciais têm suas finalidades definidas em lei e, no que toca ao controle da legalidade do ato societário, suas atribuições se cingem apenas à forma. Em regra, somente ao Poder Judiciário cabe a análise material e a determinação do desarquivamento de contratos societários.

Possibilitar às Juntas examinar problemas de mérito, próprios dos participantes de sociedade, significa invasão de competência.

Fica evidente assim, pelo todo até aqui exposto que o registro de empresa desempenha atribuições específicas de controle formal da legalidade.

Os órgãos registrários consideram que qualquer ato pode ser desarquivado

Todavia, vale ressalvar, que em alguns poucos casos, o órgão incumbido da execução do registro público de empresas pode suspender o arquivamento de atos societários quando constatar indícios de fraude ou simulação do ato registral. Reitere-se, trata-se de medida excepcional e que deve ser subsidiada pela Procuradoria da Junta, com os fundamentos jurídicos próprios - sempre no tocante à formalidade.

Assim, são hipóteses raras onde cabe às partes, algumas vezes vítimas de crimes com repercussões societárias, promover um pedido de suspensão do registro - dirigido ao chefe hierárquico do órgão (presidente), munido de um boletim de ocorrência ou da instauração de inquérito policial - para que a Junta promova a suspensão do arquivamento do ato societário, até posterior determinação judicial, cuja tutela será obrigatoriamente provocada pela parte lesionada.

O procedimento, nesse caso, deve ser encaminhado ao Plenário da Junta Comercial para que o Colegiado ratifique a decisão do presidente, por meio de seus Vogais, representantes da sociedade civil organizada, quanto à suspensão ou não do ato, devendo o Poder Judiciário por último definir se deve ou não desarquivá-lo. Aliás, sobre o assunto há decisão do Supremo Tribunal Federal (STF): "não tem, portanto, o registro de empresas o poder de desarquivar os atos societários definitivamente arquivados, ainda que venha a concluir, posteriormente, pela sua ilegalidade. Somente o Poder Judiciário poderá fazê-lo. O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de acolher essa linha de entendimento". (Decisão Unânime do STF, Recurso Extraordinário nº 79.432 - AM, Primeira Turma, publicado na RTJ nº 72, pg. 280).

Refogem, pois, às atribuições do registro os conflitos dos sócios ou de mérito deliberatório. Aumentar indiscriminadamente suas atribuições através do desautorizado expediente de interpretação da lei ou da doutrina - por sua assessoria ou mesmo sua consultoria jurídica -, seria o mesmo que substituir a própria função do Poder Judiciário.

É oportuno asseverar que qualquer justificativa para o desarquivamento impróprio de um contrato de sociedade seria reconhecer a função jurisdicional e contenciosa do registro de empresa, o que não nos parece adequado e não contribui para o desenvolvimento da atividade negocial.

Retornando, assim, ao início do texto, repensar as atuais finalidades e atribuições do registro, estipulando e definindo seus limites, aperfeiçoará a organização empresarial que tem como resultado a efetiva segurança jurídica e, via de consequência, a redução do "custo Brasil", para benefício da atividade negocial e sua continuidade.

Armando Luiz Rovai é doutor pela PUC-SP, professor de direito comercial do Mackenzie e da PUC-SP, ex-presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo e presidente da Comissão de Acompanhamento do Projeto do Novo Código Comercial da OAB-SP

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações


Fonte: Valor Econômico - SP -
Por: Armando Luiz Rovai **

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