A equipe do prefeito de Buenos Aires e principal candidato oposicionista à Presidência da Argentina, Mauricio Macri, fez chegar ao governo brasileiro mudanças radicais que ele pretende propor nas regras do Mercosul, caso vença as eleições presidenciais de outubro. O maior giro está na ideia de liberar os sócios do bloco para negociar acordos comerciais bilaterais diretamente com outros países ou regiões - um discurso que se acomoda com perfeição aos sonhos do empresariado do Brasil, do Uruguai e do Paraguai de acelerar as discussões para um tratado de livre comércio com a União Europeia. O plano foi apresentado por Diego Guelar, secretário de relações internacionais do partido de Macri (PRO) e assessor diplomático de sua campanha presidencial, em visita à Embaixada do Brasil na Argentina. Um relato da conversa, que ocorreu no dia 24 de abril, está em telegrama enviado pelo embaixador Everton Vargas à cúpula do Itamaraty e obtido pelo Valor por meio da Lei de Acesso à Informação. Guelar é cotado para assumir o Ministério das Relações Exteriores em caso de vitória de Macri. Hoje, os países do Mercosul só podem negociar acordos comerciais em conjunto. Essa definição foi tomada pelo CMC, maior instância decisória do bloco, em 2000. No telegrama, o diplomata brasileiro relata o teor das ideias ventiladas por Guelar. "Em sua visão, a Decisão CMC 32/00 não funcionou e teria de ser revista para permitir negociações extrabloco, de maneira individual, pelos membros do Mercosul", informa Vargas a seus superiores. O auxiliar para política externa de Macri, conforme esse relato, entende que a liberdade para negociar acordos comerciais bilaterais não significaria um enfraquecimento do bloco. Guelar propôs um "esforço concentrado para efetivar uma zona de livre comércio na América do Sul" e a criação de "agências especializadas supranacionais" - ao estilo do que faz a UE em Bruxelas - em diversos setores. Ele citou especificamente áreas como integração energética, defesa, meio ambiente, segurança alimentar, saúde animal e vegetal. Vargas reproduz, no telegrama, os termos usados pelo argentino definir os novos rumos propostos para o Mercosul: "flexibilidade negociadora comercial com uma forte integração de infraestruturas físicas". Na descrição do embaixador brasileiro, Guelar afirmou que a conjuntura de incertezas vivida atualmente é "ideal" para repensar o bloco e fez até mesmo uma previsão de quando as medidas poderiam ser anunciadas. "Caso essas ideias prosperassem", afirmou Vargas no telegrama, "os meses de março e abril [de 2016] poderiam ser o momento propício para eventuais anúncios desse tipo, quando o novo governo argentino estará completando seus 100 primeiros dias no poder". Macri tem de 26% a 29% das intenções de voto, segundo pesquisa feita pelo instituto Poliarquía a pedido do jornal "La Nación", o que lhe deixa isolado na condição de principal adversário do kirchnerismo. Daniel Scioli, governador da Província de Buenos Aires, que é apoiado pela presidente Cristina Kirchner e aparece com 38% a 41%. Analistas têm apontado, no entanto, tendência de crescimento de Macri após as primárias deste domingo. Essas prévias funcionam como uma espécie de triagem de candidatos de uma mesma frente partidária e Macri tende a receber os votos de outros candidatos oposicionistas. Ele ainda deverá disputar com Scioli o apoio de Sergio Massa, terceiro colocado em todas as pesquisas, que detém 14% a 17% das intenções de voto e dificilmente atingirá o segundo turno. Nos últimos anos, entidades empresariais como a CNI e a CNA têm elevado o tom das críticas às regras do Mercosul que impedem uma velocidade maior nas negociações comerciais. As reclamações têm um alvo certo: a Argentina. Devido à escassez de dólares, o governo argentino vem adotando medidas protecionistas que já foram condenadas pela OMC, como as declarações juramentadas de importação. Além disso, nas discussões para um acordo de livre comércio com a UE, pressiona os demais sócios do Mercosul por um ritmo de queda mais brando das tarifas aos produtos europeus. A troca de propostas entre os dois blocos está prevista para o último trimestre de 2015. Na visita à embaixada brasileira, Guelar elogiou a construção do Mercosul pelos ex-presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín, bem como a continuidade dada por Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menem. Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, de um lado, e Néstor e Cristina Kirchner, de outro, teriam seguido o mesmo caminho, mas errado ao privilegiar a Venezuela em detrimento de outros três países da região: Chile, Peru e Colômbia. "Limitei-me a ouvir com atenção os comentários", anotou Vargas.
Valor Econômico
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